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O Teles e o Tobias/IX

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Antes da chegada de Chico Teles à vila, já Alfredo tinha feito das suas. O artigo do Farol pô-lo tonto. Amarrotou o jornal e jurou vingar-se do indigno redator; mas de todos os meios que lhe ocorreram, nenhum lhe quadrou. Estava nessa indecisão quando Chico Teles chegou.

O subdelegado entrou em casa furioso.

— É indigno! é infame! exclamou ele.

— É infame! é indigno! respondia Alfredo, como um eco.

Acalmados os primeiros furores, entraram ambos na apreciação do artigo de Manoel Tobias. Ignorando a causa do artigo, o pai e o filho julgaram logicamente que Manoel Tobias aludia ao meeting.

Depois de muitas horas de reflexão e discussão, assentaram em não dizer palavra na Atalaia, a respeito do artigo do Farol, e guardar a vingança para a eleição que estava próxima.

— Sim, dizia Chico Teles, fia-te em mim: demos àquele miserável a melhor resposta possível, que é a de uma derrota para sempre; havemos de mostrar-lhe que o seu partido nada vale. Envidemos os nossos esforços e matemos o bicho...

— Sim, matemos o bicho, disse Alfredo pondo aguardente em dois copos e oferecendo um ao pai.

Chico Teles olhou admirado para o filho, e esvaziou um trago.

Entretanto a filha de Tobias continuava inconsolável. A idéia de que o seu amante estava doido era coisa que a não consolava; a rapariga tinha um fraco pelo rapaz, e contava vencer as dificuldades para unir-se a ele. Tudo porém, quanto imaginara caiu diante daquele desastre.

Manoel Tobias contava com uma resposta da parte da Atalaia, e ficou admirado de não ver nada no dia seguinte.

Respondeu-lhe porém, o Azorrague. Disse esta folha:

O Farol disse ontem que o sr. Alfredo Teles estava doido, fazendo assim crer que ele teve juízo algum dia...

Tobias leu até aqui com um sorriso nos lábios; mas caiu-lhe o queixo quando leu o resto, que dizia assim:

... Sim, tanto ele como o sr. Chico Teles e o sr. Manoel Tobias são três famosos malucos!

É inútil dizer que os dois adversários ficaram furiosos com este artigo.

Entretanto Alfredo Teles, a estando folhear uns papéis, deu com uma tira em que achou o primeiro borrão do anagrama que mandara à filha do Tobias; riu-se, e mandou-lhe um bilhete, explicando-lhe o caso.

A pobre moça quase morreu de alegria, e foi dizer ao pai que Alfredo não estava doido; Manoel Tobias pediu explicação do fato. Deu-lha a rapariga, e o pai fez proscrever de casa pena e papel. A filha jurou consigo que havia de sair daquele cativeiro.

Os dias corriam, a candidatura de Alfredo ia tomando certo corpo, e mais ainda a do redator do Azorrague, que tinha as simpatias da vila.

Finalmente chegou-se à véspera da eleição. Foi essa uma noite de trabalho insano, em todos os campos litigantes. Prepararam-se artigos ardentes, e fez-se provisão de manjares para regalar os estômagos da soberania nacional.

Às 11 horas da noite, retirou-se Alfredo para o seu quarto que dava para o terreiro da chácara, e preparava-se para descansar e levantar-se mais fresco no dia seguinte quando sentiu que lhe batiam à janela. Espantou-se daquilo e foi buscar um revólver, e abriu a janela... Céus! que viu ele! — A filha de Tobias, montada em um cavalo branco, com uma trouxa na garupa e os cabelos desgrenhados.

— Que é isto?

— Fujo ao desespero! Venho buscá-lo para sairmos daqui.

— Mas, entre, entre...

— Não! não entro... E a minha honra? — Saia você, traga um pajem, e vamos para a fazenda de minha tia, que é daqui a uma légua; ela está à nossa espera; lá nos casaremos, e voltaremos depois para pedir perdão a nossos pais.

— Mas, meu anjo...

— Assim é preciso... quando não, vou atirar-me ao rio!

Alfredo compreendeu que não podia lutar com a moça; fechou um pouco a janela, vestiu-se, chamou o pajem, por quem mandou aprontar os animais, e depois de lançar um olhar de saudade para a cama, dirigiu-se para o terreiro.

Já lá estava o pajem com os animais. Seguiram todos para a fazenda, onde a moça ficou, voltando Alfredo para a vila, onde chegou às duas horas da manhã.

No dia seguinte, que era o da eleição, Alfredo levantou-se ao ouvir esta apóstrofe do pai:

— Pois quê! meu tratante! dormes até às 9 horas num dia de eleição, e quando se vai decidir do teu futuro político! Levanta-te, mandrião.

Alfredo demorou-se ainda na cama, o tempo preciso para ver se podia fazer da palavra mandrião um anagrama, mas não atinava, e pôs-se de pé.

Almoçaram e foram para a câmara municipal, acompanhados de alguns eleitores mais íntimos.

Alfredo ia trêmulo com a lembrança do que lhe acontecera na véspera, e temendo receber de algum capanga uma sova intempestiva. À porta da câmara municipal estava Manoel Tobias, risonho e tranqüilo, o que fez impressão no espírito de Alfredo. Tobias ouvia a alguns eleitores, acerca das probabilidades da eleição, e passava as suas cédulas muito honradamente.

Entretanto aproximava-se a hora do combate. Tobias foi tomar conta da presidência da mesa.

— Então o que há? perguntava Chico Teles, a um eleitor enquanto Alfredo corria diversos grupos.

— Tudo vai bem...

— Acha que meu filho pode...

— Se pode! Eu conto com grande maioria...

— Ah! Deus o queira.

E Chico Teles foi ter com outro eleitor.

Quanto ao eleitor que acabava de animá-lo, apenas Teles se retirou, aproximou-se de um capanga de Tobias e disse: — Então? Os cavalos? — Já estão em sua casa. — Quatro. — Bem; dê cá a lista; afirme que eu votei contra o Alfredo.