O caso da viúva/IV

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Naquele dia efetivamente foi à casa de Toledo um dos homens que a freqüentavam desde algum tempo. Era um cearense, abastado e sério. Chamava-se Vieira, contava trinta e oito para quarenta anos. A fisionomia era comum, mas exprimia certa bondade; as maneiras acanhadas, mas discretas. Tinha as qualidades sólidas, não as brilhantes; e, se podia fazer a felicidade de uma consorte, não era precisamente o sonho de uma moça.

Vieira fora apresentado em casa de Toledo, por um amigo de ambos, e a seu pedido. Vira uma vez Maria Luísa, à saída do teatro, e deixou-se impressionar fortemente. Chegara do norte havia dois meses, e estava prestes a voltar, mas o encontro do teatro dispô-lo a demorar-se algum tempo. Sabemos ou adivinhamos o resto. Vieira principiou a freqüentar a casa de Toledo, com assiduidade, mas sem adiantar nada, já porque o natural acanhamento lho impedia, já porque Maria Luísa não dava entradas a declarações. Era a amável dona da casa, que se dividia por todos com agrado e solicitude.

Se lhes disser que Maria Luísa não percebeu nada nos olhos de Vieira, no fim de poucos dias, digo uma coisa que nenhuma das leitoras acredita, porque todas elas sabem o contrário. Percebeu-o, efetivamente; mas não ficou abalada. Talvez o animou, olhando freqüentes vezes para ele, não por mal, mas para saber se ele estava olhando também, o que, em certos casos, dizia uma dama, é o caminho de um namoro cerrado. Naquele foi somente a ilusão de Vieira, que concluiu dos olhos da moça, dos sorrisos e da afabilidade uma disposição matrimonial que não existia. Convém saber notar que a paixão de Vieira, foi a maior contribuição do erro; a paixão cegava-o. Um dia, pois, estando em casa de Toledo, pediu licença para ir lá no dia seguinte tratar de negócios importantes. Toledo disse que sim; mas Vieira não foi; adoecera.

— Que diacho pode ele querer tratar comigo? pensou o pai de Maria Luísa.

E encontrando o amigo comum que introduzira Vieira em sua casa, perguntou-lhe se sabia alguma coisa. O amigo sorriu.

— Que é? insistiu Toledo.

— Não sei se posso dizer, ele lhe dirá de viva voz.

— Se é indiscrição, não teimo.

O amigo esteve algum tempo calado, sorriu outra vez, hesitou, até que lhe disse o motivo da visita, pedindo-lhe a maior reserva.

— Sou confidente do Vieira; está loucamente apaixonado.

Toledo sentiu-se alvoroçado com a revelação. Vieira merecera-lhe simpatia desde os primeiros dias do conhecimento; achava-lhe qualidades sérias e dignas. Não era criança, mas os quarenta anos ou trinta e oito que podia ter não se manifestavam por nenhum cabelo grisalho ou cansaço de fisionomia; esta, ao contrário, era fresca, os cabelos eram do mais puro castanho. E todas essas circunstâncias eram realçadas pelos bens da fortuna, vantagem que Toledo, como pai, considerava de primeira ordem. Tais foram os motivos que o levaram a falar do Vieira à filha, antes mesmo que ele lha fosse pedir. Maria Luísa não se mostrou espantada da revelação.

— Gosta de mim o Vieira? — respondeu ela ao pai. Creio que já o sabia.

— Mas sabias que ele gosta muito?

— Muito, não.

— Pois é verdade. O pior é a figura que estou fazendo...

— Como?

— Falando de coisas sabidas, e... pode ser que ajustadas.

Maria Luísa baixou os olhos, sem dizer nada; pareceu-lhe que o pai não rejeitava a pretensão do Vieira, e temeu desenganá-lo logo dizendo-lhe que não correspondia às afeições do namorado. Esse gesto, além do inconveniente de calar a verdade, teve o de fazer supor o que não era. Toledo imaginou que era vergonha da filha, e uma espécie de confissão. E foi por isso que tomou a falar-lhe, daí a dois dias, com prazer, louvando muito as qualidades do Vieira, o bom conceito em que era tido, as vantagens do casamento. Não seria capaz de impor à filha, nem esse nem outro; mas visto que ela gostava... Maria Luísa sentiu-se fulminada. Adorava e conhecia o pai; sabia que ele não falaria de coisa que lhe não supusesse aceita, e sentiu qual era a sua persuasão. Era fácil retificá-lo; uma só palavra bastava a restituir a verdade. Mas aí entrou Maria Luísa noutra dificuldade; o pai, logo que supôs aceita à filha a candidatura do Vieira, manifestou todo o prazer que lhe daria o consórcio; e esta circunstância é que deteve a moça, e foi a origem dos sucessos posteriores.

A doença de Vieira durou perto de três semanas; Toledo visitou-o duas vezes. No fim daquele tempo, após curta convalescença, Vieira mandou pedir ao pai de Maria Luísa que lhe marcasse dia para a entrevista, que não pudera realizar por motivo da enfermidade. Toledo designou outro dia, e foi a isso que aludiu no fim do capítulo passado.

O pedido do casamento foi feito nos termos usuais, e recebido com muita benevolência pelo pai, que declarou, entretanto, nada decidido sem que fosse do agrado da filha. Maria Luísa declarou que era muito de seu agrado; e o pai respondeu isso mesmo ao pretendente.