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O macaco que se fez homem/8

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MARABÁ


BOM tempo houve em que, romance era coisa de aviar com receitas á vista, qual faz o honesto boticario com suas pilulas.

Quer trabuco historico? Tome tanto de Herculano, tanto de Walter Scott, um pagem e o que baste de Briolanjas, Urracas e Guterres.

Quer indianismo? Ponha duas onças de Alencar, uns laivos de Fenimore, pitadas de Chateaubriand, graúnas e araras quantum satis, misture e mande á typographia.

Receitas para tudo. Para começo (formula Herculano): — "Era por uma dessas tardes de verão, em que o sol de ouro, etc., etc.

E para fim: "E a palmeira desappareceu no horizonte..."

Arrumado o scenario da natureza, surgia, ou um indio de feroz catadura, ou um lidador lusitano com seu espadagão, todo carapaçado de ferro e erecto no lombo dum corcel ardego.

E vinha, ou uma castellã de olhos com cercadura de violetas, ou uma virgem morena, de pulseira na canella e mel nos labios.

E não tardava um donzel trovadoresco que "cantava" a castellã, ou um guerreiro branco que fugia com a iracema á garupa.

Depois, escada de corda, luar, beijos — multiplicação da especie.

A tantas o pae feroz descobria tudo e á frente dos seus peões ia á caça do seductor, em desabalada corrida, rebentando duzias de morzelos; ou o cacique de rabos de arara na cabeça erguia as mãos para o céo de Tupan, implorando vingança.

E Dom Bermudo apanhava o trovador pirata e o interpellava em estylo de cathedral; e ás suas evasivas trovejava arrancando a toledana:

— Mentes pela gorja!

Ou o cacique filava o guerreiro branco e o trazia para a taba ao som da inubia, e lá o assava em fogueira de páo brasil e o devorava em familia, vingança tremenda, não menor que a de Dom Bermudo a fender o craneo do pagem seductor, a lhe arrancar o coração fumegante e a depol-o no regaço da castellã manchada.

E a moça desmaiava, e o leitor chorava e a obra recebia etiqueta de historica, se passada unicamente entre Dons e Donas ou de indianista, se na manipulação entravam ingredientes tomados á firma G. Dias, Alencar & C.ª.

Veio depois Zola com o seu naturalismo e veio a psycologia e a preoccupação da verdade, tudo por contagio da sciencia que Haeckel, Darwin e outros illusionistas derramaram no espirito humano.

Verdade, Verdade!... Que musa tyrannica! Como fez mal aos romancistas e como os força a ter talento!

Foram-se as receitas, os figurinos. Cada qual faça lá como entender, com tanto que não discrepe do veritas super omnia, latim que em arte significa mentir com verosimilhança.

— Tudo isto para que?

— E' que trago nos miolos uma novella tão ao sabor antigo, tão fóra da moda que não me animo a impingil-a no leitor. E não é feia, não. Vem de Alencar, esse filho da Scheherazada que a todos nós, na juventude, nos povoou a imaginação de lindas coisas inesqueciveis. E compõe-se de um guerreiro branco, duas virgens das selvas, caciques, dansas guerreiras, fuga heroica, etc.

Chama-se Marabá e principia assim:

Era por uma dessas noites enluaradas de verão, em que a natureza parece chovida de cinzas brancas.

A taba dorme, e dorme a floresta vizinha, sem sussurros de brisas nem regorgeio de aves.

Só o urutáu pia longe e uma ou outra suindara perpassa, descrevendo vôos de velludo e agourentando a noite com o seu pavido clu, clu, clu, clu... que ora se approxima, ora se perde distante.

No centro do terreiro, atado a um poste da canjerana rija, o prisioneiro branco vela. Foi vencido em combate cruento, teve todos os seus homens trucidados e vae agora pagar com a vida o louco ousio de pisar terra aymoré. Será sacrificado pela manhã, ao romper do sol, cabendo ao potente Anhembira, cacique invicto, a honra de fender-lhe o craneo com o tacape de páo-ferro. Seu corpo será destroçado pelas horrendas megeras da tribu e sua carne devorada pelos ferozes cannibaes.

O guerreiro branco rememora com melancolia sua vida tão breve — sua meninice de hontem, o engajamento, as aventuras nas terras novas de Santa Cruz, norteadas pela desmedida ambição de riquezas.

E' louro e tem os olhos azues. Em suas veias corre o melhor sangue do reino. Seu avô cahiu nas Indias, varado duma zagaia cingaleza e seu pae, nos sertões inhospitos dos Brasis, acabou na paralysia do curare que uma setta fatal lhe inoculou.

Chegara a vez ao malaventurado rebento ultimo dessa estirpe de heroes...

Em redor, guerreiros côr de bronze. exhaustos de dança e bebados de cauim, jazem estirados por terra, as mãos soltas dos tacapes terriveis.

Tambem dormita o velho pagé, de cocaras rente da ocara, com o maracá silencioso ao lado.

Que mais? Sim, a lua... A lua que no alto passeia o seu crescente.

Subito, um vulto se destaca de moita vizinha e approxima-se cauteloso, com pés subtis de corça arisca.

E' Inah, a mais formosa virgem das selvas, oriunda do sangue cacical de Anhembira, o Morde-corações.

A virgem caminha em direcção ao prisioneiro. Para-lhe defronte e por instantes o contempla, como presa de indecisas idéas.

Por fim decide-se e, ligeira como a irára, desfaz os nós da mussurana fatal e dá de beber ao guerreiro branco o gole de cauim desentorpecedor dos musculos adormentados pelo arroxo do cordame. Em seguida mira-o a furto nos olhos, perturbada, e de um gesto indica-lhe a matta, sussurando em lingua da terra:

— Foge!

O guerreiro branco vacilla. Não conhece a matta, que é immensa, e teme encontrar em seu seio morte mais cruel que a do tacape de Anhembira.

Inah comprehende o seu endeio e, tomando-lhe a mão, leva-o comsigo; conhece a matta palmo a palmo e sabe o caminho de pôl-o a seguro, em sitio onde não ousa alongar-se a gente aymoré.

A noite inteira caminham e só quando as margens de um grande rio lhes trancam o passo é que a virgem morena se detem. Aponta o rio ao moço guerreiro e nesse gesto diz que está finda sua missão, pois que o rio leva ao mar e o mar é o caminho dos guerreiros brancos.

O moço tem o peito a estourar de gratidão e amor, e, como não pode significal-os com palavras lusas á virgem de lingua estranha, lança mão do esperanto da natureza: abraça-a, beija-a e, a céo aberto, ao som murmuro das aguas eternas, louco de paixão, a possue.


Reticencias.


Ao romper da madrugada :

— E' a cotovía que canta!... diz ella.

— Não é, é o rouxinol, retruca Romeu.

— E' a cotovia...

— E' o rouxinol...

Vence a cotovia. O moço beija-a pela ultima vez e parte. Não esquece, porem, de enfiar no dedo de Julietta um anel, joia indispensavel ao desfecho desta tragedia.


I ACTO

A tribu está apprehensiva. As velhas murmuram e o pagé inquieta-se.

— Marabá!

Castigo de Tupan? Signal do céo que marca o termo da gloria de Anhembira?

Uma creança nascera alli, de olhos azues e loura, evidentemente marabá. E nascera de Inah, a virgem bronzeada em cujas veias corre o sangue do morubixaba.

Traição!

A mãe mentira á raça e do contacto com o estrangeiro invasor, cruel inimigo que do seio do mar surgiu para flagelo do povo americano, teve aquella filha. O louro dos cabellos, o azul dos olhos, a alvura da pelle denunciam claramente o imperdoavel crime.

— Marabá!

E um vago terror se espalha pela tribu.

O pagé reune em concilio os velhos e discute o caso gravissimo. E após longas ponderações a assembléa decide o sacrificio da pequena marabá, em holocausto aos manes irritados da raça.

Levam a sentença ao cacique, que é pae, mas que antes de pae é o chefe supremo, inexoravel guardião da lei, velha como o tempo.

Anhembira cerra o sobrecenho, baixa a cabeça e queda-se immovel como a propria estatua da dor...


Entre parenthesis.

Uma coisa me espanta: que haja inda hoje, nestes nossos atropelados dias, quem escreva romances! E quem os leia!...

Conduzir por trezentas paginas a fio um enredo, por duzentas que sejam — que preguiça!

Nada disso. Sejamos da época. A época é apressada, automobilistica e cinematographica, e esta minha Marabá, no andamento em que começou, não chegaria nunca ao uff! do epilogo.

Abreviemol-a, pois, transformando-a em entrecho de film. Vantagem triplice: não maçará o pobre do leitor, não comerá o escasso tempo do autor e ainda pode ser que acabe filmada, quando tivermos por cá miolo e animo para concorrer com as Fox e as Paramount.

Vá daqui para deante a 90 por hora, dividida em quadros e letreiros.

QUADRO

Emquanto Anhembira, de cabeça derrubada sobre o peito; medita sobre a sentença que condemnou a creança loura, uma india velha corre a avisar Inah da desgraça imminente.

Inah é mãe e as mães não vacillam. Toma a filhinha nos braços e foge para as selvas...

QUADRO

Lindo scenario. Trecho de matta-virgem, trancada de cipoeira, trançada de taquarussus. Vê-se á direita um velho tronco de enorme jequitibá ocado.

E' nesse ôco que mora a menina loura de olhos azues. A mãe ageitou-o para esconderijo seguro, tapetou-o de musgos macios e fez delle um ninho de metter inveja ás aves.

Alli dorme o lindo anjo, filho do amor a céo aberto. Alli recebe elle a mãe inquieta que, de fuga, lhe traz o seio nutriz. De fuga, pois a tribu ignora o estratagema e está convicta de que a filha de Anhembira arrojou ao abysmo das aguas o fruto maldito do seu ventre impuro.

LETREIRO

Marabá cresceu no sombrio da matta como a nympha mimosa do ermo. Inah ensinou-lhe a vida e deu-lhe armas com que abatesse as aves que piam no subosque, a caça ligeira que entóca e os peixes faiscantes que se alapam nas pedras.

QUADRO

Marabá despede-se de sua mãe.

Já pode viver por si e quer seguir para ermos distantes, onde não chegue o som dos inubias de Anhembira, lá onde o rio eterno é como um deus irrequieto que ora escabuja nas fragas, ora brinca com as petalas mortas remoinhantes em seus remansos turbidos.

Inah despede-se da filha e, repetindo o gesto do guerreiro branco, põe-lhe no dedo o anel de nupcias.

QUADRO

A vida solitaria de Marabá. Seu namoro com o rio. Nelle se banha e mergulha e nada, a linda coma loura fluctuante, e nelle mira seus olhos feitos de pedaços do céo.

E' seu amante, é seu deus o rio eterno. E' o ser vivo em cuja companhia refoge á depressão do ermo absoluto.

LETREIRO

Em Marabá confluem duas psychicas, a da terra, herdada de sua mãe, e a do moço louro, vindo d'além-mar, duma plaga distante que em sonhos indecisos su´alma em botão adivinha.

QUADRO

Mas pouco scisma, a linda Marabá. O tempo lhe é escasso para a delirante vida de nympha que é seu viver alli.

Ora perde manhã inteira na perseguição do gamo que veio beber em seu rio, ora galga a pedranceira, operando prodigios de arrojo para colher a flor singela que desabrochou no mais alto da penha.

Persegue borboletas — e que maravilhoso quadro é vel-a no campo, veloz como a gazela, a loura cabelleira solta ao vento!

Sua nudez casta de virgem esplende em fulgor de esculptura divina. Deus a esculpiu — e esculptor nenhum jámais concebeu corpo assim, de linhas mais puras, seios mais firmes, ancas mais esgalgas, braços de torneio mais fino.

Tem a nudez divina, Marabá — porque existe a nudez humana: das creaturas que convivem entre humanos e soffrem os vincos da humanidade.

Marabá não viciou sua nudez no contacto humano e é nua como é nu o lyrio: sem saber que o é.

Mas é mulher. Adivinha de instincto que as flores fel-as Deus para a mulher e colhe-as e tece-as em guirlandas, e com ellas enfeita os cabellos e o collo e a cintura. E assim, toda flores, mira-se no espelho das aguas e sorri. E porque sorri, logo salta, alegre, e dansa. E porque dansa, anima as selvas da luz maravilhosa que a Grecia ensinou ao mundo.

Subito, um rumor na matta fal-a estacar. A filha de Dyonisus se apaga e surge Diana. Eil-a de arco em punho, em louca desabalada, na pista do galheiro que, incauto, interrompeu sua bella improvização choreographica.

Quem lhe ensinou a dansar?

Tudo. O sangue estuante, o vento que agita a fronde das jissaras, o remoinho das aguas, as aves.

Viu dansar tangarás, um dia, e desde esse momento sua vida é uma continua e maravilhosa creação em que a alma da terra, americana se exsolve em movimentos rythmicos.

Sempre mulher, Marabá amansou uma veadinha de leite e tem-na comsigo como inseparavel companheira, docil ás suas expansões de carinho.

Com a pequena corça brinca horas a fio e abraça a e beija-a no mimoso focinho roseo.

Que festa, a vida de Marabá!

Ninguem a vence em riquezas. Ouro dá-lhe o sol ás catadupas e todo só para ella. Perfumes, não em frascos microscopicos o tem. mas ambiente, perennal; as flores só exhalam para ella e todas as brisas se occupam em trazel-o de longe, tomado nas corolas das orchideas mais raras.

E as abelhas dão-lhe o mel purissimo, e os ingazeiros de beira-rio dão-lhe a nivea polpa dos seus frutos invaginados, e cem outras arvores da floresta parecem precipitar a maturescencia das suas bagas rubras, roxas, verdoengas para que os dentes alvissimos da nympha as morda com delicia.

E os dias de Marabá são assim um delirio de luz, de perfumes, de movimentos sadios e livres, capaz de enlouquecer a imaginação dos pobres seres chamados homens. que vivem em prisões chamadas cidades, dentro de gaiolas chamadas casas, com poeira para os pulmões em vez de ar, catinga de gazolina em vez de aromas e morte a prestações em vez de vida...

NOTA AO CECIL B. DE MILLES

Este papel de Marabá tem que ser feito por Annette Kellermann. Como, porém, Annette já está madura e Marabá é o que existe de mais botão, torna-se indispensavel inventar um processo que rejuvenesça de cincoenta annos a interprete.

QUADRO

Um dia, um caçador tresmalhado surprehende a nympha no banho.

E' Ipojuca, o filho dilecto de Anhembira e seu successor no cacicado da tribu.

Tres dias e tres noites correu elle em perseguição de um jaguar, mas, no momento em que dobrava o arco para desferir a flecha mortal, descahiu-lhe das mãos a arma e seus olhos se dilataram de assombro.

O corpo nú da virgem loura emergira das aguas á sua frente.

— Iára?

No primeiro momento o medo sobresaltou-o — mas o sangue de Anhembira reagiu em suas veias, e não seria o filho do guerreiro que jamais conheceu o medo quem tremesse deante de mulher, Iára que fosse.

E Ipojuca immobilizou-se á margem do rio, em muda contemplação, até que a nympha, percebendo-o, fugisse para o lado opposto, mais arisca do que a tabarana.

Ipojuca lançou-se á agua e logo mergulhou na floresta em perseguição da virgem loura.

Jamais as nymphas venceram a faunos na corrida. Foi assim na Grecia, seria assim sob o céo de Colombo.

Ipojuca alcançou-a. Seu braço de ferro enlaçou-a, suas mãos potentes quebraram-lhe a resistencia e dobraram-lhe a cabeça loura para o beijo de nupcias.

Mas a virgem subjugada abriu para o macho victorioso os grandes olhos azues e. encarando-o a fito, murmurou a palavra tremenda:

— Sou marabá!

Ipojuca estarrece, como fulminado pelo raio, e deixa que a presa loura fuja de seus braços para o recesso das relvas...

QUADRO

Ipojuca, o vencedor vencido, caminha de cabeça baixa, absorto em sonhos. Vae de regresso á taba. O jaguar perseguido cruza-se-lhe á frente. Ipojuca não o vê. A setta que lhe destinara cravou-lh'a Eros em seu coração.

QUADRO

Na taba. Ipojuca, desde que regressou, vive arredio. Pensa.

A cabeça lhe estala. Travam-se de razões seu cerebro e seu coração — o dever de solidariedade para com a tribu e o amor. Um impõe-lhe o desprezo da creatura maldita: outro pede-a para o seu beijo.

LETREIRO

Vence Amor — o eterno vencedor, e Ipojuca volta ao ermo em procura de Marabá.

QUADRO

A virgem loura, desd'o encontro fatal, perdida tem sua serenidade de lyrio.

Scisma.

Horas e horas passa immovel, de olhar absorto. Sua veadinha, ao lado. inutilmente espera as caricias de sempre. Marabá não a vê. Marabá esqueceu-a. Como esqueceu as borboletas amarellas que douram o humido em redor da lage onde jaz reclinada. Como não vê o casal de martim-pescadores que a tres passos della a espiam curiosos.

Marabá só vê o guerreiro de pelle bronzeada que a subjugou com braço potente, que lhe premiu com violencia a carne virgem, que lhe derramou n'alma um veneno mortal.

Marabá só vê o seu guerreiro.

Vê-lhe o vulto erecto, firme e forte como os penedos.

Vê-lhe a musculatura mais rija que o tronco da peroba.

Vê o fogo que seus olhos chispam.

E o vê com tamanha nitidez que para elle estende os braços, amorosamente.

E Ipojuca, pois era elle em pessoa e não sua sombra o que ella via, cae-lhe nos braços, e esmaga-lhe nos labios o primeiro beijo...

QUADRO

Idyllio. Marabá espera seu guerreiro no alto de uma cabiuna.

Ipojuca chega, procura-a, chama-a, afflicto.

A resposta é um punhado de bagas rubras que a virgem lhe lança da arvore.

Agil como o gorilha, Ipojuca abarca o tronco, guinda-se e marinha galhos acima.

Marabá, ao ser alcançada, despenha-se no rio e mergulha.

Susto do indio, logo seguido de alegria ao vel-a emergir alem.

Lança-se á agua, e persegue-a, e são dois peixes de pasmosa agilidade que brincam.

Agarra-a e a lucta finda-se na doce quebreira dos beijos.

QUADRO

Moema, a formosa virgem por Anhembira destinada para esposa de Ipojuca, desconfia dos modos do seu noivo.

Suas continuas ausencias, seu incessante scismar, seu alheiamento a tudo dizem-lhe com clareza que uma rival se interpõe entre ambos.

E, como desconfia, segue-o cautelosa.

E tudo descobre, pois alcança o rio e lá, o coração varado de crudelissima flecha, assiste, occulta em propicia moita, ás expansões amorosas dos ternos amantes. Adivinha quem é a rival, pois que ainda tem vivo na memoria o caso da marabazinha mysteriosamente desapparecida.

QUADRO

Moema regressa á tribu sequiosa de vingança e denuncia ao pagé o esconderijo da mulher maldita.

O velho reune os guerreiros, arenga-os e incita-os á vingança antes que volte Anhembira, alongado numa expedição contra os brancos invasores.

Receia que o cacique perdoe á neta, movido das lagrimas da velha Inah.

QUADRO

Os guerreiros em marcha para a vingança.

QUADRO

Os amantes, surprehendidos pelos indios, fogem rio abaixo numa piroga. (E' difficil explicar o apparecimento desta providencial piroga, mas não impossivel. Derivou de rio acima, por exemplo, e alli ficou enredada numa tranqueira. Não esquecer de introduzir a piroga num dos quadros anteriores).

Os indios mettem-se em outras pirogas. (Mais pirogas! E' que não derivou uma só, e sim varias...) e remam com furia na esteira dos fugitivos.

QUADRO

Continúa a perseguição. Não ha flechaços, para evitar-se o perigo de ferir-se Ipojuca. Perseguição silenciosa, á força de remos que estalam.

QUADRO

A noite vem e a regata continua ao luar.

QUADRO

E descem os fugitivos até que de subito dão de cara com um fortim portuguez.

LETREIRO

Entre dois fogos!

QUADRO

Os remos caem das mãos de Ipojuca. Marabá aninha-se-lhe ao peito rijo, indifferente á morte, que nada ha mais suave do que acabar assim, a dois, em pleno apogéo do delirio de amor...

QUADRO

Os indios perseguidores ganham terreno e são avistados pelos portuguezes, que logo acodem com seus trabucos de bocca de sino e abrem fuzilaria.

QUADRO

Os perseguidores fogem desordenadamente, e Ipojuca, ferido no peito, é aprisionado conjunctamente com Marabá.

QUADRO

Na praia, ao lado do seu arco, Ipojuca estorce-se nas dores da agonia, emquanto Marabá se vê levada á presença do capitão do forte, que demora um minuto para apresentar-se.

QUADRO

Rodeiam-na os lusos e admiram-lhe a belleza do typo europeu.

Nisto o velho capitão apparece.

Interroga-a e examina-a, cheio de pasmo, como que tomado de vagos presentimentos.

Marabá traz no dedo o anel que Inah lhe deu.

O capitão nota-o, e assombrado o reconhece.

— Minha filha! exclama.

E numa delirante explosão de amor paterno abraça-a e beija-a com frenesi.

QUADRO

Ipojuca, á distancia, estorce-se na agonia e, sem comprehender o que se passa, julga que o velho, como um satyro, lhe rouba a amante querida. Reune as ultimas forças, toma do arco, ajusta uma flecha e despede-a contra Marabá.

QUADRO

A flecha crava-se no peito branco da virgem loura, que desfallece e morre nos braços do pae attonito, emquanto na praia o heroico Ipojuca exhala o derradeiro suspiro, murmurando:

LETREIRO

Minha ou de ninguem!

(Accendem-se as luzes e enxugam-se as lagrimas).

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.