O poeta moribundo

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Poetas! amanhã ao meu cadáver
Minha tripa cortai mais sonorosa!...

Façam dela uma corda e cantem nela
Os amores da vida esperançosa!
 
Cantem esse verão que me alentava...
O aroma dos currais, o bezerrinho
As aves que na sombra suspiravam
E os sapos que cantavam no caminho!
 
Coração, por que tremes? Se esta lira
Nas minhas mãos sem força desafina,
Enquanto ao cemitério não te levam,
Casa no marimbau a alma divina!
 
Eu morro qual nas mãos da cozinheira
O marreco piando na agonia...
Como o cisne de outrora... que gemendo
Entre os hinos de amor se enternecia.
 
Coração, por que tremes? Vejo a morte,
Ali vem lazarenta e desdentada...
Que noiva!... E devo então dormir com ela?
Se ela ao menos dormisse mascarada!
 
Que ruínas! que amor petrificado!
Tão antediluviano e gigantesco!

Ora, façam idéia que ternuras
Terá essa lagarta posta ao fresco!
 
Antes mil vezes que dormir com ela,
Que dessa fúria o gozo, amor eterno
Se ali não há também amor de velha
Dêem-me as caldeiras do terceiro Inferno!
 
No inferno estão suavíssimas belezas,
Cleópatras, Helenas, Eleonoras...
Lá se namora em boa companhia,
Não pode haver inferno com Senhoras!
 
Se é verdade que os homens gozadores,
Amigos de no vinho ter consolos,
Foram com Satanás fazer colônia,
Antes lá que do Céu sofrer os tolos!
 
Ora! e forcem um'alma qual a minha,
Que no altar sacrifica ao Deus-Preguiça,
A cantar ladainha eternamente
E por mil anos ajudar a missa!