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O que é o Casamento?/II

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Em casa de MIRANDA – Varanda interior.

CENA PRIMEIRA

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RITA e JOAQUIM

(JOAQUIM deita jornais e cartas sobre a mesa. RITA sai da janela.)

RITA – O carro já está pronto, Joaquim?

JOAQUIM – Quem mandou aprontar?

RITA – Ninguém. Iaiá não passeia todos os dias?

JOAQUIM – Passeia com você.

RITA – Pois então?

JOAQUIM – Ninguém deu ordem.

RITA – Se a gente for esperar por isso, não se faz nada. Você vê quando é para deitar o jantar; pergunta-se ao Senhor, ele diz: "Se a Senhora mandar". Vai-se perguntar à Senhora, ela diz: "Se o Senhor mandar". E assim é tudo.

JOAQUIM – Que tem você com isso?

RITA – É que se a gente não fizer as cousas, ninguém manda fazer.

JOAQUIM – Branco lá se entende. Vá vivendo sua vida, Rita, que Senhor é muito bom.

RITA – Quem não sabe disto? Minha Senhora, essa é mesmo uma santa. Olhe, Joaquim! Tenho uma pena de ver como ela se amofina. E é por causa de seu Senhor!

JOAQUIM – Cale a sua boca, Rita. Não se meta onde não é chamada.

RITA – Mas, diga uma cousa! Antes de Nhanhã Clarinha casar, não andava tudo tão direito?

JOAQUIM – Tal e qual, como agora.

RITA – Que história! Esta casa era uma alegria!... Sinhá brincava que parecia uma mocinha: Nhanhã estava sempre rindo e cantando; e Senhor moço Henrique esse nem se fala. Depois daquela doença grande de meu Senhor é que tudo mudou.

JOAQUIM – Aí vem Senhora; bico!

CENA II

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Os mesmos, ISABEL e IAIÁ

ISABEL (trazendo IAIÁ pela mão) – Senhor já saiu?...

JOAQUIM – Não Senhora. Está no gabinete falando com um caixeiro do Sr. Souto.

ISABEL – Agora Iaiá vai passear, sim?... Passear no carro com Rita!

RITA – Venha, Iaiá!

ISABEL – Olhe, Rita está chamando. Não dá um beijo na sua Mamãe, não?... beija. Ah!... Agora vá dar um em Papai para Iaiá ficar bonita. (RITA toma a menina.)

RITA – Diga – Mamãe adeus!... Diga... Ora Iaiá é feia.

ISABEL – Tem cuidado com o vento! Ela não está boa.

RITA – Eu abaixo sempre as vidraças do carro.

JOAQUIM – O tempo está muito bom, sim Senhora.

RITA – Vamos tomar a benção a Papai?

ISABEL – Adeus!... (A RITA) não te demores muito.

CENA III

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ISABEL e JOAQUIM

JOAQUIM – Esta carta é para minha Senhora.

ISABEL – Entrega a teu Senhor.

JOAQUIM – Mas ele não gosta.

ISABEL – Reuna com as outras.

JOAQUIM – Minha Senhora quer ler os jornais?

ISABEL – Depois, se ficarem aí.

JOAQUIM – Mando pôr o almoço?

ISABEL – Teu Senhor já pediu?

JOAQUIM – Ainda não, Senhora.

ISABEL – Escuta! ele anda doente?

JOAQUIM – Não, Senhora.

ISABEL – Ontem estava tão pálido...

JOAQUIM – Meu Senhor trabalha muito.

ISABEL – Passa as noites a escrever! E isso faz-lhe tanto mal!

JOAQUIM – Esta noite ele dormiu cedo!

ISABEL – Cedo! Às três horas ainda estava trabalhando.

JOAQUIM – E minha Senhora viu?

ISABEL – Não lhe digas isto. Acordei por acaso; pareceu-me ouvir gemer... Vim escutar naquela porta...

JOAQUIM – Quem sabe se não foi minha Senhora que passou ali a noite chorando.

ISABEL – Chorando por quê?... Não tenho motivos de chorar. Vivo tão satisfeita! Tu não vês?...

JOAQUIM – Minha Senhora me perdoa. Eu não disse.

ISABEL – Sabes o que me aflige? É que falte alguma cousa a teu Senhor. Ele nunca se queixa! Mas deves ver o que ele deseja, para se fazer imediatamente. A roupa está pronta: vou dar-te daqui a pouco. Por que não trazes a outra?

JOAQUIM – A outra?...

ISABEL – Sim; para mandar lavar.

JOAQUIM – A outra... já foi, sim, Senhora.

ISABEL – Joaquim!... Que ordem te dei eu?

JOAQUIM – Que minha Senhora mesma é que queria tomar conta da roupa de meu Senhor.

ISABEL – E não fizeste caso?...

JOAQUIM – Meu Senhor a semana passada me disse: – "Joaquim, não quero que tua Senhora tenha motivo de afligir-se. Ela não deve se amofinar com tantas cousas. Manda lavar minha roupa fora".

ISABEL – E tu mandaste?

JOAQUIM – Que havia de fazer, minha Senhora?

ISABEL – Tens razão. (Enxuga a furto uma lágrima.)

CENA IV

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Os mesmos e MIRANDA

(JOAQUIM afasta-se vendo o Senhor. MIRANDA cumprimenta friamente ISABEL: senta-se e lê as cartas)

MIRANDA – Joaquim! Esta carta é de tua Senhora.

JOAQUIM – Veio com as outras. (Entrega a ISABEL.)

ISABEL (a meia voz) – Espera!... (Alto, lendo) É uma carta de Nhanhã D. Clarinha!... Ah! Ela vem hoje de Petrópolis.

JOAQUIM – Então não pode tardar.

ISABEL – Talvez venha almoçar aqui. (Deita a carta aberta sobre o aparador.)

MIRANDA (a JOAQUIM) – Esse bilhete de camarote... a tua Senhora. O cartão do Clube... É hoje!... Hás de preparar o carro!

JOAQUIM – Mando aprontar o carro do Senhor moço Henrique?

MIRANDA – Já pediste licença a tua Senhora? Faze o que ela mandar. (ISABEL acena a JOAQUIM que sim.)

CENA V

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ISABEL e MIRANDA

MIRANDA – Senhora!... Nesta carteira encontrará toda a sua legítima.

ISABEL – Não entendo! Que significa isto?

MIRANDA – Quando nos... Quando seu pai ma entregou, ela estava em apólices e prédios. Foi necessário vender tudo, vender pelo seu justo preço. Por isso esperei quase um ano!... Só agora acabo de recebê-la. Deus sabe quantos amargores me custou cada dia que demorei esta restituição.

ISABEL – Senhor! Esta riqueza lhe pertence e à nossa filha! Eu não a quero, não a aceito.

MIRANDA – É verdade que uma lei me daria o direito à metade dela, se ainda fosse seu marido. Não o sou!... Esta riqueza é sua, unicamente sua. Pode dispor dela como entender: está em vales ao portador. Para minha filha e para mim basta o meu trabalho.

ISABEL – Mas, Senhor! Quer isto dizer... que me despede?

MIRANDA – Não lhe merecia semelhante suposição! Isto quer dizer que não é minha intenção condená-la a sofrer-me. Nesta casa sabe que é Senhora; todos lhe obedecem. Como Senhora viverá nela enquanto for de sua vontade; como Senhora a deixará quando lhe aprouver.

ISABEL – Senhora, é verdade!... E antes me queria escrava, do que sofrer o luxo desse generoso desprezo que me cerca de tantos cuidados... E eu não o mereço, não, Senhor!

MIRANDA – Não falemos do passado. (Apontando para a carteira) Acabo de resgatá-lo.

ISABEL – Oh! Não há razão que me faça consentir neste sacrifício.

MIRANDA – Há uma, Senhora, que a fará consentir: e é que eu não recebo esmolas de estranhos.

ISABEL – De estranhos!

MIRANDA – Se não aceita seu dote, neste caso sou eu que me vejo obrigado a deixar esta casa.

ISABEL – Dê-me, Senhor! Não tivesse eu uma filha, sei o que faria desse papel.

CENA VI

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Os mesmos e SALES

SALES – Desculpe-me se usei da antiga liberdade!

MIRANDA – Oh! É o Senhor Sales, minha mulher! (A SALES) Esta casa é sua. (Apertando a mão.)

SALES – Obrigado. Vossa Excelência tem passado bem? D. Isabel! (Cumprimenta.)

MIRANDA – É uma surpresa agradável a sua visita.

SALES – Há quase um ano que não tinha o prazer de vê-lo.

MIRANDA – Quase um ano! Oh! lembro-me perfeitamente (A ISABEL) Falamos tantas vezes do Senhor; não é verdade?

ISABEL – Ah!...

SALES – Está incomodada, D. Isabel?

MIRANDA – Sofre agora dos nervos. Não é nada.

SALES – Deve passar algum tempo em Petrópolis com seu cunhado. D. Clarinha está tão corada!

MIRANDA – Esteve com eles?

SALES – Vejo-os todos os dias. Logo que cheguei da Europa, aconselharam-me que fosse passar lá o verão.

MIRANDA – Ah! Foi à Europa! Não sabia.

SALES – Pois eu despedi-me! É verdade que não tive a honra de encontrar a Vossa Excelência.

MIRANDA (sorrindo) – Mas encontrou a Senhora.

SALES – Também não. Disseram-me que Vossa Excelência estava gravemente doente, e que a Senhora não recebia. Deixei um cartão. Não lho entregaram?

MIRANDA – É natural.

SALES – Depois soube que tinham ido para a fazenda.

MIRANDA – Estivemos algum tempo, logo depois do casamento de Henrique.

SALES – Que se fez tão de repente!

MIRANDA – Como todos os casamentos!... Pois agora está de volta, Senhor Sales, espero que continue a honrar esta casa.

SALES – Com muito gosto.

MIRANDA – Minha... mulher aprecia infinitamente a sua amável companhia. E eu... sabe quanto o estimo... meu amigo... (Aperto de mão.)

SALES – Tanta bondade!

MIRANDA – Ia sair... Dá-me licença. (ISABEL ergue-se.)

SALES – Pois não! Sem cerimônia.

MIRANDA – Fique conversando com minha mulher... Ela estimará muito saber notícias... de Petrópolis. Use nesta casa de toda a franqueza.

ISABEL – O almoço...

MIRANDA – Ah! não esperem por mim. (Sai.)

CENA VII

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SALES, ISABEL, CLARINHA e HENRIQUE

SALES – Sua filhinha está muito crescida, D. Isabel?

ISABEL – Oh! como sofro, meu Deus! Sinto-me realmente doente.

SALES – Deve tratar-se.

ISABEL (a sair) – Desculpe-me; mas eu não posso!...

SALES – Desejo que se restabeleça. (Corteja.)

CLARINHA – Abraça-me outra vez. Que saudades, ingrata!

ISABEL – E tu?

CLARINHA – Queixa-te de Henrique.

HENRIQUE – Adeus, Bela. Não creia.

ISABEL – São desculpas.

HENRIQUE – Augusto?

ISABEL – Saiu.

CLARINHA – Eu te contarei tudo. Temos muito que conversar; como está meu tio?... E Iaiá?...

ISABEL – Todos bons. (Afastam-se.)

SALES – Voltou ontem muito tarde?

HENRIQUE – Era noite já.

SALES – Foi feliz?

HENRIQUE – Oh! uma batida cheia!... Os cães levantaram uma anta, a maior que tenho visto! Os outros atalharam no rumo em que vinha a caça: mas eu fiquei junto de um córrego. "E aqui a espera!" Nisto vejo relampear entre folhas. Mal tive tempo de faiscar. Um tiro soberbo!

SALES – É a sua paixão!

HENRIQUE – É quando vivo. Quem não é caçador, não pode compreender as emoções de uma espera.

SALES – Mas D. Clarinha anda sempre assustada.

HENRIQUE – Mulheres!...

CLARINHA – Já está por aqui?

SALES – Vim ontem mesmo.

CLARINHA – E retira-se com a nossa chegada!

SALES – Ia sair, quando entravam. D. Isabel está incomodada.

CLARINHA – Ah! que tens?

ISABEL – Não sei, sinto-me melhor.

SALES – A Senhora também deve estar fatigada da viagem. Voltarei à noite.

CLARINHA – Até logo. Já notaste, Bela, o Senhor Sales, depois que foi à Europa, perdeu o hábito da rosa!...

SALES – A minha rosa abandonou-me, D. Clarinha.

HENRIQUE – Onde deitariam a nossa mala?

ISABEL – Está no seu quarto. Quer entrar?

CENA VIII

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ISABEL e CLARINHA

CLARINHA – Agora é que reparo. Estás realmente pálida.

ISABEL – Não faças caso! Ando muito nervosa.

CLARINHA – Será algum irmãozinho de Iaiá?

ISABEL – Coitadinha! Este prazer nunca há de ela sentir.

CLARINHA – Sério?... Mas vamos a saber. Que vida é a tua?

ISABEL – Sempre a mesma.

CLARINHA – Não é o que me disseram em Petrópolis.

ISABEL – O que te disseram?

CLARINHA – Que já não sais, não passeias, e estás sempre metida em casa. Depois que me casei, nunca mais foste ao teatro.

ISABEL – Não tenho tempo agora! Preciso cuidar de minha casa, vivo para minha filha...

CLARINHA – Ora não vejam esta mãe de família com 23 anos e com este rostinho de menina... Está me parecendo uma cousa.

ISABEL – Podes acreditar...

CLARINHA – Está me parecendo que o Senhor meu tio depois que se viu deputado, comendador e não sei que mais, já não se lembra que tem uma mulherzinha tão bonita, e deixa-a ficar em casa enquanto ele anda por aí todo repimpado na sua farda.

ISABEL – Como és injusta! Não há divertimento no Rio de Janeiro em que ele se esqueça de mim. Quando fores à sala verás... Os vasos estão cheios de cartões de bailes, concertos e teatros. Olha! (mostra os cartões) ficam aí porque já não tenho gosto.

CLARINHA – Ou porque não tens com quem ir?

ISABEL – Como no tempo em que estavas aqui!

CLARINHA – Parecia de propósito. Não havia noite de baile, em que não se tratasse de eleições.

ISABEL – Agora não e assim... Antes fosse!

CLARINHA – Por que razão?

ISABEL – Não sai noite alguma, sem primeiro saber se eu quero ir a alguma parte.

CLARINHA – Bravo! Assim é que eu entendo. Está tomando jeito.

ISABEL – Mas isso aflige-me. Deixa de distrair-se por minha causa.

CLARINHA – Não faz mal. Um marido bem procedido não se diverte quando sua mulher fica em casa. Nem sei donde te vieram semelhantes ideias.

ISABEL – Tu amas teu marido, Clarinha?

CLARINHA – Que pergunta!

ISABEL – Então deves compreender que ele tem necessidade de alguma cousa que preocupe o seu espírito. Um homem não vive só pelo coração como nós.

CLARINHA – O que eu compreendo é que eles têm de obrigação de nos fazer felizes.

CENA IX

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As mesmas e HENRIQUE

ISABEL – Está ouvindo?

HENRIQUE – É comigo?

CLARINHA – Chegou muito a propósito, meu Senhor.

HENRIQUE – Cousa rara nos maridos.

CLARINHA – Participo-lhe que estes oito dias passo com Bela.

HENRIQUE – Não eram três?

CLARINHA – Mudei de opinião.

ISABEL – Fizeste muito bem.

HENRIQUE – Neste caso virei buscá-la na segunda-feira.

CLARINHA – Que tem a fazer lá? Deixe que os pássaros e as pacas descansem este tempo.

HENRIQUE – E que fico eu fazendo aqui?

CLARINHA – Fazendo-me companhia.

HENRIQUE – Ora! Há oito meses não faço outra cousa.

CLARINHA – Era bom que tomasse algumas lições com seu irmão, e visse como um marido deve tratar sua mulher.

HENRIQUE – Ah! É por isso que deseja que eu fique?

CLARINHA – Não se lhe pode ocultar cousa alguma.

HENRIQUE – Pois eu faço-lhe a vontade, mas com uma condição.

CLARINHA – Conforme for ela.

HENRIQUE – Há de pedir a Bela, que lhe ensine como a mulher deve amar seu marido, desculpar-lhe todas as faltas...

ISABEL – Eu dispenso o meu elogio, Henrique.

CLARINHA – Acrescente: porque ele lhe faz todas as vontades.

HENRIQUE – Oh! ela merece tudo.

CLARINHA – Muito obrigada. Eu não mereço nada.

ISABEL – Deixem-se disso.

HENRIQUE – Então está decidido. Ficamos oito dias.

ISABEL – Nem os deixo ir antes.

CLARINHA – E quando for levo-te comigo: já vou te avisando!

ISABEL – Se Augusto quiser.

HENRIQUE – Até já.

CLARINHA – Onde vai?

HENRIQUE – Vou dar um passeio, enquanto meu tio não chega.

CENA X

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ISABEL e CLARINHA

CLARINHA – Viste?

ISABEL – Vi, Clarinha! Vi que Henrique não é feliz. E não foi isto o que me prometeste.

CLARINHA – Que posso eu fazer, Bela? Fomos felizes nos primeiros meses. Tu sabes como ele me amava, quando nos casamos.

ISABEL – Sei e não fazes ideia do alívio que eu sentia durante a moléstia de Augusto vendo nascer esse amor.

CLARINHA – Não pensavas decerto que havia de acabar tão cedo? Henrique já não me ama, Bela.

ISABEL – Porque não queres.

CLARINHA – Sou eu que não quero?

ISABEL – Uma mulher bonita e inteligente como tu, Clarinha, que não teve a desgraça de perder a estima de seu marido, só o não obriga a amá-la, quando não quer.

CLARINHA – Gosto de te ouvir falar!... Henrique não pára em casa: anda sempre em caçadas, ou passeios. Volta fatigado e aborrecido; tudo lhe enjoa; tudo o contraria.

ISABEL – E tu em vez de agradá-lo, e satisfazer-lhe todos os caprichos, ficas arrufada, não é?

CLARINHA – Quem pode suportar isto, Bela?

ISABEL – Foi por esta razão, que eu te perguntei se amavas teu marido.

CLARINHA – Quem o sabe melhor do que tu?

ISABEL – Não me compreendeste. Não te perguntei se amavas Henrique; porém, se amavas teu marido. Parece-te uma extravagância, não é assim?

CLARINHA – Deveras não te entendo.

ISABEL – Como amamos nós o homem que escolhemos e com quem nos casamos? Como moças que não conhecem o mundo, e apenas sabem da vida os sonhos doirados. É um bonito romance que fazemos, todo cheio de emoções, de sorrisos, e de flores. Foi assim que eu amei Augusto e que tu amaste Henrique.

CLARINHA – E ainda não mudei.

ISABEL – Estás bem certa disso?... O casamento mata esse primeiro amor que dura alguns meses, o primeiro ano quando muito. Desaparece a ilusão: o marido não é mais um herói de um bonito romance, torna-se um homem como qualquer outro, e às vezes mais ridículo, porque o vemos de perto. Então sente-se n'alma um vácuo imenso que é preciso encher.

CLARINHA – Porém tu me justificas.

ISABEL – Ouve. Nesse momento é preciso toda a coragem senão o tédio e a monotonia de uma vida já sem esperanças nos invade. A imaginação procura no mundo o que não acha na família! E sabes o que se encontra?... Pelo menos o martírio de uma vida inteira.

CLARINHA – E tu sentiste isso, Bela?

ISABEL – Eu?... Oh! não o digas a ninguém! Senti os desenganos das minhas mais doces esperanças, senti morto o meu primeiro amor, e tive medo que uma afeição estranha se insinuasse em meu coração. Via fugir a pouco e pouco esse amor de que tinha vivido tanto tempo e ao qual dedicara toda a minha existência. Achava-me tão só no mundo, longe da família que eu tinha deixado, e mais longe da nova família que eu ainda não sabia compreender. Era um deserto, em que minha alma vagava sem abrigo. Oh! nunca sofras, tu, Clarinha, o que eu sofri!... Mas Deus salvou-me. Amei meu marido.

CLARINHA – Como?

ISABEL – Amando minha filha. Refugiei-me nessa afeição. Aí encontrei de novo o homem que eu tinha amado: associei-me a essa vida que outrora me parecia tão seca e tão egoísta: acompanhei-o de longe, e vi quanta generosidade e quanta delicadeza encobre a sua reserva. A minha solidão foi-se povoando: o governo da casa, os cuidados domésticos, o desejo de tornar doce e cômoda a existência daquele que se dedicava à felicidade da família, deram-me as emoções mais agradáveis e mais puras que tenho sentido. Queres que te confie uma cousa? O meu maior prazer é ler os discursos de Augusto. Não te rias!

CLARINHA (rindo) – Hás de entendê-los perfeitamente!

ISABEL – Não os entendo, não! Mas no modo de dizer, na maneira digna por que ele ataca um adversário, no generoso entusiasmo com que defende uma ideia, na firmeza e sinceridade de sua palavra, aprendo a conhecer a nobreza de seu caráter; e descubro muitas vezes uma qualidade que ainda não se me tinha revelado. Olha, Clarinha: é um erro nosso, muito comum. Admiramos os estranhos pela consideração de que eles gozam na sociedade; e entretanto uma mulher, em vez de acompanhar o marido em seus trabalhos, em suas empresas, em suas glórias, quer achá-lo tal qual ela o sonhou, na obscuridade e no repouso da vida doméstica!

CLARINHA – Assim tu tens hoje por teu marido uma verdadeira paixão.

ISABEL – Mais do que paixão; porque é também estima, respeito e admiração.

CLARINHA – E teu marido te paga com o mesmo amor?

ISABEL – Ele?... Não sei, Clarinha... Nunca lhe perguntei...

CLARINHA – Ah! não sabes!... Sentes tudo isto, dizes que uma mulher bonita e inteligente basta querer para ser amada por seu marido, e não sabes se teu marido te ama?... Pois minha rica prima, a tua história é muito bonita, mas não me agrada!

ISABEL – Asseguro-te que sou mais feliz do que mereço.

CLARINHA – Ora, pois não está se vendo nos teus olhos! Se a felicidade doméstica – não e assim que se chama? – tem esse sorriso triste, e esse rosto pálido, podes ficar certa que não a deixo entrar na minha casa. Não! Prefiro mil vezes as espingardas, os cães de caça e os aborrecimentos de Henrique.

ISABEL – Escuta!

CLARINHA – Vamos ver se Augusto já veio. (Pausa.) Então não vens?

ISABEL – Não!... Inda não chegou!

CLARINHA – Não importa! Quero correr a casa! Há tanto tempo!... Eu também tenho aqui as minhas recordações! Vou te mostrar o lugar onde Henrique confessou a primeira vez que me amava... quando os médicos declararam que Augusto estava salvo! Vem!

ISABEL – Não! Não posso agora... Não gosto de entrar lá.

CLARINHA – Por que motivo?

ISABEL – Ele pode suspeitar que desejo conhecer os seus segredos!...

CLARINHA – Meu Deus! Quanto mistério para se amar seu marido. Deste modo Henrique pode ficar descansado.

CENA XI

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As mesmas e MIRANDA

MIRANDA (entrando) – Adivinhei que já estava aqui.

CLARINHA – Oh! Excelentíssimo!

MIRANDA – Sempre bonita e sempre alegre!

CLARINHA – É o que me vale!... Se eu não trouxesse a alegria comigo, morria de tristeza naquele desterro de Petrópolis.

MIRANDA – Como está Henrique?

CLARINHA – Bom; já anda passeando. Mas que é isto, meu tio? Cabelos brancos?...

MIRANDA – Estou velho, Clarinha.

CLARINHA – Com trinta anos!... E de repente!... Quando aqui estava, não tinha nenhum!

MIRANDA – Tinha e muitos.

CLARINHA – Não, Senhor. Nunca vi.

MIRANDA – Porque os pintava! Era uma fraqueza minha... Ainda fazia a corte a... Bel... a sua prima. Não queria parecer velho.

CLARINHA – Mas, agora está homem sério: já não se ocupa com essas ninharias. Só trata de ser ministro!

ISABEL (a meia voz a CLARINHA) – E há de ser!

MIRANDA – Não tenho semelhantes aspirações! A política faz-me as vezes de um vício. Dá-me as emoções que os outros encontram no jogo, ou na embriaguez. Atordoa-me: nada mais!...

CLARINHA – Não lhe gabo o gosto.

MIRANDA – Este mundo, Clarinha, é um precipício que todos devemos atravessar pelo estreito passo da vida. O imprudente pára no meio e olha o fundo, vacila e cai. É preciso fechar os olhos e correr, para não sentir a vertigem.

CLARINHA – Mas essa teoria é só para os homens.

MIRANDA (sorrindo) – Não a aconselho a ninguém.

CLARINHA – O que é verdade é que a política tem-no feito velho, magro, feio, e até distraído.

MIRANDA – Sei que tenho todos os defeitos, mas ainda não tinha reparado nesse último.

CLARINHA – Pois não, sempre que vinha da rua apertava a mão de Bela.

MIRANDA – Não apertei agora! Ah! foi realmente uma distração. Outra vez não cairei nesta falta.

CLARINHA – Ainda está em tempo.

MIRANDA – Minha mulher...

CLARINHA – Minha mulher?... Diga a Senhora. É mais aristocrático!

MIRANDA – Be...la dispensa. (Afasta-se.)

CLARINHA – Mas eu não dispenso.

ISABEL (gesto implicante) – Deixa-te disso.

CLARINHA – Se é uma cousa que eu achava tão bonito! E tinha pedido a Henrique que tomasse com o Senhor umas lições de bom marido!... Mas estou vendo que o mestre desaprendeu!...

MIRANDA – Não diga isto. (Vai a ISABEL.) Está satisfeita? (Estende a mão e toca apenas a de ISABEL.)

CLARINHA – Deveras, meu Senhor!... Era assim que apertava a mão de Bela? Tenha a bondade! (MIRANDA recua vivamente.)

ISABEL – Clarinha!

CLARINHA – Ora! Não vejam que sacrifício beijar uma testa tão bonita?

MIRANDA – Já estamos velhos: essas ternuras são ridículas.

CLARINHA – Diga o que quiser. Há aqui alguma cousa que eu hei de descobrir.

MIRANDA – Que lembrança... Por uma ninharia?... Faço-lhe a vontade. (Acena que beija.)

ISABEL (a meia voz) – Perdão!... Eu não tenho culpa!

CLARINHA – Assim é que se acabam com esses arrufos... Agora, Bela, dá-me de almoçar que estou caindo de fome. Henrique que almoce onde estiver!

ISABEL – Não queres mudar o vestido?... Teu quarto está pronto! (Vai saindo, entra HENRIQUE da rua.)

CLARINHA – Vamos. (A MIRANDA) Vossa Excelência permite. (Chegando-se a meia voz.) Não me queira mal. Sei que os homens nunca devem ceder; mas, não posso vê-lo agastado com Bela! E por quê? Por alguma zanguinha! Alguma teima que nada vale...

MIRANDA – Justamente!... Ela teima em não dar uma ordem, com receio de contrariar-me; e o que me contraria é que esperem por mim. Tudo quanto ela mandar acho bem feito!

CLARINHA – Delicadeza da parte de Bela... Não repare nisso... Ela lhe quer muito bem!

MIRANDA – Muito! Eu tenho provas!

ISABEL (na porta) – Não vens, Clarinha?

CLARINHA – Aqui me tens! (A HENRIQUE.) Oh! depressa voltou!

CENA XII

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MIRANDA e HENRIQUE

(abraçam-se.)

MIRANDA – Com estás?

HENRIQUE – De saúde, bem.

MIRANDA – E do resto?

HENRIQUE – Vive-se.

MIRANDA – Falas de um modo! Acaso não és feliz?

HENRIQUE – Feliz?... Não sei.

MIRANDA – Não o és decerto. A felicidade sente-se, e com tal exuberância, que derrama-se em torno por quanto nos cerca.

HENRIQUE – Segue-se que ainda não me chegou; mas também asseguro-lhe, meu tio, que não tenho o mau gosto de considerar-me desgraçado.

MIRANDA – Na tua idade, casado com uma bonita moça, tão prendada pela natureza, como pela fina educação que recebeu; possuidor de uma abastança que te poupa a humilhação do serviço mercenário; sem entorpecer os nobres estímulos do trabalho; amado pelos teus, estimado por todos, que te falta para ser feliz, Henrique?

HENRIQUE (a rir) – Nada, meu tio! Eu sou, e o confesso para minha confusão, o filho pródigo da fortuna. Essa deidade caprichosa, guiada pela mão do melhor dos homens, de um pai extremoso (aperta a mão de MIRANDA) encheu-me de benefícios; e o ingrato, apesar de todos os carinhos da sorte, ainda deseja.

MIRANDA – Mas em suma, que desejo é esse? Não poderemos satisfazê-lo? HENRIQUE – É o meu sonho. No meio dessa ventura, que lhe devo, meu tio, sinto às vezes um grande vácuo dentro d'alma: e esse vácuo vem enchê-lo o tédio e o desânimo... Lembro-me que sou um ente inútil, que as horas e os dias monótonos gastos em consumir a existência, podia eu dar-lhes um emprego útil, na ciência, nas letras, em qualquer outra ocupação. Minha distração é a caça; não podia ser a política?

MIRANDA (a rir) – Que é ainda uma espécie de caça, a de alteneria. (Sério.) Meu querido Henrique, caíste na mesma ilusão que infelizmente nos arrasta a todos nós, os filhos pródigos da fortuna, como disseste há pouco.

HENRIQUE – Qual?

MIRANDA – Na mocidade, a vida abre-se diante de nós como um jardim; entramos por essa mansão risonha com a alma cheia de desejos e esperanças. Uns, famintos de riqueza, divisam o pomo de ouro, e arrojam-se por entre abrolhos e fraguedos para alcançá-lo. Outros, sedentos de glória, deslumbram-se com os esplendores dessa rosa mágica riçada de espinhos, que desabrocha nos cimos inacessíveis dos rochedos, à borda dos abismos.

HENRIQUE – Meu tio é um desses!

MIRANDA (com expressão) – Fui!... Outros finalmente caminham dia e noite, extenuados de fadiga, rompendo a espessura, para descobrirem o fruto da ciência. Entretanto, lá está logo à entrada do jardim, rasteira e oculta, a flor modesta, a violeta celeste que Deus plantou na terra para derramar sobre a alma o bálsamo divino. Alguns a olham de longe, desdenhosamente; muitos aproximam-se um instante atraídos pelo suave perfume; mas todos passam além; nenhum põe aí o termo dessa jornada que se chama a vida; nenhum faz dessa flor agreste o seu primeiro cuidado e o seu melhor tesouro.

HENRIQUE – Quanto a mim, não tem razão, meu tio!

MIRANDA – Ouve! Quando chega o inverno, que os expulsa do jardim encantado, lá voltam os viajantes alquebrados, com a alma seca e árida como um deserto; um mordeu o pomo de ouro, e viu que estava cheio de cinza; outro quando pensava colher a rosa, ela transformou-se em chama que o abrasou e desfez-se em fumo; o terceiro, mal tocava no fruto da ciência, este se desfazia em pó. Todos ao passarem pela moita rasteira, buscam com os olhos a florzinha; e já não a acham; murchou. HENRIQUE – Não há de murchar para mim, como não murchou para o Senhor.

MIRANDA – Oh! para mim, não, decerto! Essa flor, já compreendeste, Henrique, é a felicidade conjugal; que embalsama com sua divina fragrância o seio da família, que adorna de festões e grinaldas o lar doméstico, e cobre de uma eterna primavera a nossa existência. Hás de ter visto, em tuas excursões pelas matas de Petrópolis, esses troncos decepados e carcomidos, verdadeiros anciãos da floresta; rebentam-lhe os renovos pelas raízes, e a folhagem brilhante do jovem arvoredo os veste de galas. É assim o velho que sonha cultivar a felicidade conjugal; os filhos e as famílias que lhe crescem em torno o cobrem de sorrisos e carinhos.

HENRIQUE – E cuida meu tio que eu não tenho as mesmas ideias?

MIRANDA – Tu, Henrique, és daqueles que se aproximam da flor, aspiram-lhe um momento o perfume, mas passam, deixando-a agreste como nasceu. Não confessaste que, ao lado de tua mulher, sentes um vácuo n'alma; e tão grande que passas dias longe de casa, pelos matos a caçar? Queres ocupá-lo com a política! Isto é, queres encher o coração de cascalho.

HENRIQUE – Não vivemos unicamente para a família; o espírito carece de uma ocupação.

MIRANDA – Decerto; devemo-nos todos à pátria e à humanidade. Mas, acredita-me, a primeira ocupação e a mais séria do homem é a sua felicidade doméstica. Não há neste mundo mais sagrado sacerdócio do que seja o do pai de família; ele assemelha-se ao Criador, não somente quando reproduz a sua criatura, mas quando desses anjos (entra RITA com IAIÁ) que Deus lhe envia, ele prepara as futuras mães e os futuros cidadãos. É só depois de cumprida esta santa missão, que temos o direito de dar a outros misteres as sobras da nossa alma.

HENRIQUE – Não haverá exageração nesse modo tão exclusivo de considerar a família, sobretudo no século em que vivemos, meu tio?

MIRANDA (confuso) – É possível. Fui daqueles que se deixaram arrastar pela vertigem; felizmente esbarrei a tempo; mas, por isso mesmo talvez influa em mim o perigo que ameaçou a minha felicidade.

HENRIQUE – Mas hoje nada a perturba?

MIRANDA – Nada.

HENRIQUE – Quanto isso me alegra! E eu disse que não sabia se eu era feliz. Posso não sê-lo, vendo-o cercado de todas as venturas, e coberto das glórias conquistadas na política?

MIRANDA – Quando te brotarem essas vergônteas, Henrique, (mostra IAIÁ que tem nos braços) então me hás de compreender; terás uma alma nova saída da refusão da alma velha; é a alma do pai.

HENRIQUE – Como está bonita, Iaiá! Então já não conhece o primo Henrique?

CENA XIII

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Os mesmos, RITA, IAIÁ e JOAQUIM

JOAQUIM – O almoço está pronto.

MIRANDA (para HENRIQUE) – Vai almoçar, é tarde. Não te há de faltar apetite.

HENRIQUE – E meu tio, não vem?

MIRANDA – Já tomei alguma cousa.

HENRIQUE – Até já. (Sai.)

MIRANDA (senta-se com a menina no colo) – Então, minha filha, passeou muito? Estava bonito o passeio? Por que não convidou Mamãe? Olhe! sempre que Iaiá for passear, há de convidar Mamãe, sim?

RITA – Sinhá não quer sair nunca, por mais que eu lhe diga...

MIRANDA – Agora como Clarinha está aqui...

RITA – Ah! Nhanhã D. Clarinha chegou?

MIRANDA – Pode ser que ela a acompanhe. Se precisar de alguma cousa... Talvez os vestidos já não estejam bons.

RITA – Estão novinhos em folha no guarda-roupa.

MIRANDA – Naturalmente porque não são do gosto dela. Também tu não lhe perguntas o que ela deseja.

RITA – Sinhá acha tudo bom! Tudo lhe agrada mas não quer que se compre... Aquelas joias, meu Senhor não sabe ainda, estão por abrir.

MIRANDA – Não teve a curiosidade de vê-las?

RITA – Viu, sim, Senhor, e achou muito bonitas. Mas de que serve?... Ninguém vê Sinhá com elas. Estão guardadas. Diz que hão de ser para Iaiá quando ficar moça. (Pausa. MIRANDA brinca com a menina.)

MIRANDA – Quem sabe se ela não está aborrecida do Rio de Janeiro. Talvez deseje fazer uma viagem, ir à Europa; e não me diz por acanhamento.

RITA – Qual, meu Senhor.

MIRANDA – Nunca a ouviste falar nisto?

RITA – Nunca, não, Senhor!

MIRANDA – Mas é preciso que faças com que tua Senhora se divirta um pouco. Ela anda muito triste e muito abatida: não tem distração!

RITA – Nem uma mesmo. Ela não quer sair: também aqui ninguém vem, senão quando meu Senhor...

MIRANDA – Basta! Não te perguntei por isso. (Amimando a menina que tira o chapéu.) Não desmanche os seus cachos! Quem foi que penteou Iaiá? Foi Rita? Não. Foi Mamãe? Foi! E quem vestiu?... Também foi Mamãe? (A RITA) Outra cousa! Por que deixas que tua Senhora se mate a coser a roupa de Iaiá? Não tem vindo constantemente roupa feita da casa da Cretin?

RITA – Sinhá não quer! Diz que isso é o seu divertimento!...

MIRANDA – O que é, minha filha? (Entra ISABEL sem ser vista) Quer Rita?... Não.

RITA – É o brinquedo!

MIRANDA – Ah! Iaiá trouxe o seu brinquedo!... Quer que dê corda?... Muito bonito!... Quem deu a Iaiá?... Quem?... Senhor... diga... diga no ouvido do Papai!...

RITA – Foi aquele moço que encontramos na rua... Não se lembra... que beijou Iaiá... Senhor Sales.

MIRANDA – Senhor Sales... Ah! Foi ele!... (Afastando a menina.)

CENA XIV

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MIRANDA e ISABEL

MIRANDA (voltando-se, vê ISABEL) – Senhora! Eu lhe suplico! Uma dúvida horrível!

ISABEL – Oh! Por piedade!

MIRANDA – Esta menina...

ISABEL – Cale-se!... não vê que me está matando?

MIRANDA – É... É minha?...

ISABEL – Eu sou pura, Senhor! Juro!

MIRANDA (respira) – Ah!... (Angustiado) Mas que vale o juramento de quem esqueceu o mais santo!...