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Os Índios do Jaguaribe/1

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Nas regiões austrais do continente já o lábaro da civilização espargia benefícios fecundos sobre as raças convertidas, e, com tudo, no setentrião dormia ainda quase a seu salvo o gentilismo, como em plácido e escuso asilo, dentro do vasto seio da natureza selvagem.
Destino talvez. Ainda hoje só em porção muito escassa cabe por sorte o proveito a esta zona do colosso, quando na outra o desenvolvimento mais cooperado das forças vivas do país assegura que primeiro amadurecerá em suas possessões, porque aí a cultura é bem diferente, a messe da grandeza nacional.
Mal cuidara então o colono aventuroso que, preferindo às regiões árticas as antárticas para arena de suas conquistas, inaugurava um sistema que, por mal avisada argúcia, mereceria acolhimento e exploração das idades venturas.
Nem há contestar. A segure do progresso social desbasta primeiro por lá do que por aqui a rudeza dos costumes incorretos.
O norte é um hilota, para quem os horizontes se estreitam, em contraposição ao sul, para quem eles se alargam, que pôde chamar-se o moderno espartano.
A política desta terra, sempre sofismadora das mais absolutas igualdades, tem feito até hoje vasta estrada da tênue vereda, que estreou a machada do aventureiro.
O esboço do século XVI tornou-se painel acabado no século XIX com todos os claros e com todos os escuros do quadro. Quando no sul os vezos caducos de um feudalismo anacrônico, que são, por assim dizer, a eiva, que corrói a pura massa dos costumes, languem visivelmente, se é que já se não devem considerar completamente espancados pela lúcida e vigorosa torrente das ideias livres, nesta parte do império se detém de caso pensado e pisa arrogante a bota ferrada de uma fidalguia híbrida, truanesca e deplorável; e as camadas populares cada vez mais se abatem tão profundo e gelado é o sopro da tormenta, e a liberdade definha no ergástulo do senhorio feudal evidentemente oligarquisado e mantido pela ingrata política de um trono, que desconfia e se arreceia, sem ter de que, de tudo quanto é tentâmen ou aspiração liberal.
Foi destino de certo. Já lampeja para os nossos irmãos do sul um raio de liberdade; só nós mal percebemos daqui, sepultados em nossa noite eterna, esse clarão remoto do astro, que apenas de longe e timidamente se nos anuncia.
Que fim social visa o pensamento de manter a zona setentrional do império em manifesta inferioridade comparativamente à zona austral? Porque se monopoliza a luz no seio de um povo de irmãos, quando Deus a entorna com igual e generosa liberalidade pelos mais recônditos latíbulos do universo?
Partilha lesiva tem sido essa! Distribuição desigual de gozos, quando a que se faz dos ônus toca a todos na mesma proporção, se é que não cai em porção mais avultada sobre o que menos participa dos benefícios, é um atentado, que a razão social e cristã a condena, e a justiça universal repele. Só ao futuro pertence desatar e erguer o véu; será tempo então de indenizar-se o norte dos menosprezos e das humilhações.
Pelos meados do século XVI quase todo o sul se via cortado de estabelecimentos permanentes, que floresciam em S. Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e S. Salvador.
Além destas, multidão de pequenas povoações, fracos núcleos ainda, mas já por si mesmos indício bastante de que o olfato da emigração espontânea pressentia no país nascente o odor de um empório de próximas grandezas, povoavam todo o litoral, nos intervalos das colônias centrais, como uma extensa rede, que a civilização ia dilatando pela conquista da barbárie.
Nove foram as capitanias hereditárias em que aprouve a D. João III dividir o Brasil. Destas apenas duas couberam ao norte, a de Pernambuco — donatário Duarte Coelho Pereira, e a do Maranhão — donatário João de Barros, o historiador.
Nas margens do Piratininga o catolicismo, erigindo estabelecimentos regulares de educação moral e religiosa, fazia preciosas aquisições de espíritos que, tocados da luz da fé, corriam a atirar-se entre os braços maternais da cruz de Cristo, plantada no deserto como a árvore do futuro; e por outro lado os novos povoadores, explorando e cultivando as extensões primitivas, iam abrindo curso à missão da catequese, e a educação moral produzindo sazonados frutos.
Martim Afonso, primitivamente Tibiriçá, índio converso, fruto do esforço evangélico dos missionários, chefe dos Guaianases, defendera com bravura heroica a vila de S. Paulo, fortemente atacada pelos Tamoios em formidável confederação.

Na capitania do Espírito Santo e em S. Vicente, menos feliz a iniciativa doutrinadora, via uma luta ingente ameaçando sufocá-la, pela tenacidade e pujança dessas locafas invencíveis. As armas portuguesas enfraqueciam ante o poder dos confederados, cuja força crescia de hora em hora, cada vez mais resolutos se fazendo na expulsão dos invasores; — e um ataque geral decidiria, sem dúvida,

contra estes, se os sábios Anchieta e Nóbrega, inspirados de ardente zelo pela doutrina do Evangelho, firmes e crentes na valia da fé católica, se não deliberassem a tentar conseguir a paz com os Tamoios, jogando nessa partida arriscada suas próprias vidas.
E o conseguiram. A luz da religião espargiu aí um fulgente clarão, que desceu aos corações dos selvagens, mais fechados ao ferro de fina têmpera do guerreiro do que à palavra profética do missionário. Luta soberba da civilização com a barbárie! Bendita luta, que importava a desbravação do sul! E daí datou a longa série de triunfos da mesma natureza, subsequentemente obtidos, assim como a consolidação das colônias portuguesas nesse rumo do Brazil.

EM ANDAMENTO

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