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Os Brilhantes do Brasileiro/IV

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— Amigos e senhores — prosseguiu Fialho — a razão desta chamada vão vocês sabê-la!

— Você parece que está aflito, Sr. Hermenegildo?! — acudiu magoadamente Pantaleão.

— Se lhe parece!... É um caso de honra e que me há de atirar à cova!

— Ora deixe-se disso! — sobreveio Joaquim Bernardo. — Então os amigos para que servem? Aqui estamos física e moralmente para tudo que for preciso.

— Meus amigos! — volveu o marido de Ângela — acontece em minha casa o mais extraordinário caso que vocês ouviram...

— Como assim?! — interrompeu o marido de Francisca Ruiva.

— Negócio de mulheres!... Poucas vergonhas de mulheres!... Ainda há quem se case!... — esclareceu Fialho intercortando as palavras com uns suspiros que lhe subiam do estômago à mistura com os arrotos de bacalhau assado do almoço.

— De mulheres?! querem vocês ver!... — disse com espanto Atanásio José da Silva.

— Temos maroteira? — perguntou Pantaleão.

— Ouçam lá. Minha mulher vendeu cinco brilhantes da pulseira de casamento que eu lhe dei, e não diz o que fez a um conto seiscentos e cinqüenta mil réis sonante que recebeu pelos brilhantes. Aqui está o que eu tenho a dizer.

Os três conferentes levantaram-se a um tempo, cruzaram as mãos sobre os ossos sacros respectivos, e começaram a passear cada um para seu lado.

Quem primeiro parou e falou do seguinte modo foi o marido da maiata:

— Física e moralmente falando, sua mulher, amigo Hermenegildo, vendendo os brilhantes e dispondo do dinheiro, deve dizer o que lhe fez, por força ou por jeito. Eu cá por mim pegava dum arrocho, e dizia-lhe: "Ó minha amiga, você diz o que fez ao dinheiro, ou acaba-se aqui hoje o mundo!"

— Amigo Joaquim — contrariou Pantaleão. — Não voto por esse sistema, e queira perdoar. Vamos por partes. O amigo Fialho desconfia de sua mulher?

— Eu?

— Sim: parece-lhe que ela doidejou e lhe fez alguma patifaria?

— Eu sei cá, homem!... Vejo isto!... Ah! Esquecia-me de dizer que ela diz que deu o dinheiro aos pobres...

— Bem me fio eu nisso! Essa não amolo eu! — refutou Pantaleão, bascolejando nas queixadas um riso galego. — Aos pobres!...

— Também eu não a engulo! — concordou o irmão de misericórdia. — Que diga o nome dos pobres! Sim! queremos saber quem são os pobres. Física e moralmente falando, se ela o não disser, está provado o crime.

— Isso está! — obtemperou Atanásio. — E cá, se a tratantada fosse comigo, era negócio feito, percebe você?

— Você que faria? — perguntou Fialho.

— Eu?! Eu?! Então você ainda me não conhece? Eu cá era dois pontapés, e rua, percebe você?

— Isso não são modos! — obstou Pantaleão Mendes Guimarães. — Amigo Fialho, você averigüe esse caso com vagar.

— Não tenho que averiguar! — recalcitrou o marido de Ângela. — É isto que lhes digo. Gastou o dinheiro e não diz em quê.

— Então, convento com ela! — alvitrou o prudente Guimarães. — Um homem de créditos faz isto. Os amigos digam agora o que entenderem.

— Eu — opinou Joaquim José Bernardo, descascando os rebordos das ventas infectas — física e moralmente falando, também vou para aí, atendendo a que é melhor não dar escândalo. Você administra-lhe de comer e beber no convento, e não quer mais saber dela.

— E se lhe puser demanda a mulher?! — lembrou Atanásio.

— Demanda? Ora essa!... — acudiu Joaquim Bernardo. — Demanda?

— Sim; vamos que ela pede metade da fortuna, ou o dote de trinta contos com que o amigo Fialho a dotou?

— O amigo Fialho não tem nada — respondeu triunfantemente o árbitro. — Tudo que ele tem é nosso por uma escritura de dívida. Você tem procuração dessa mulher?

— Tenho.

— Então que lhe pague com um trapo, física e...

— Pelo que ouço — interrompeu Fialho — vocês, amigos, decidem que minha mulher se porta mal...

— Pois isso! — confirmou Pantaleão. — Nem dado nem de graça! Você inda duvida?!

— Eu, como não tenho desconfiado nem visto nada...

— Pudera ver... — redargüiu o fiscal da Misericórdia.

— E vocês tem ouvido falar de minha mulher? — perguntou Fialho.

— Olhe, isto de falar, fala-se de todas — respondeu o marido da maiata. — Nem a minha tem escapado, cá por certos zunzuns que me chegaram aos ouvidos; mas vêm barrados cá p’ra mim, que eu sei quem tenho...

Pantaleão e Atanásio trocaram uns lances de olhos velhacos, em que Hermenegildo entrou com o seu contingente de fino maroto.

— Isso é verdade — apoiou o marido de Francisca Ruiva. — A gente, se for a dar ouvidos à canalha, está perdida com a sua vida. Um homem tem sempre rabos de palha. Mas eu ando tanto ao seguro cá a respeito da minha honra, que desafio o mais pintado a dizer de minha mulher isto ou aquilo.

Desta vez os olhos de Joaquim encontraram os de Atanásio, enquanto Fialho lá entre si dizia: "Estás arranjado com a virtude de tua mulher..."

— Meus amigos, - disse Atanásio a seu turno — isto é terra de calunias e aleivosias. A inveja vinga-se em nos ferir no mais sagrado de nossas almas. Aqui estou eu que...

O truculento homicida do caixeiro ia fazer o elogio da consorte, quando Barrosas bradou impacientemente:

— Então em que ficamos, senhores?

— Em que ficamos?! — perguntou Atanásio.

— Sim! Os amigos estão aí a palavrear em objetos que não vêm à colação. Ora que tenho eu que as suas mulheres sejam isto ou aquilo? Se são boas e virtuosas, dêem graças a Deus, e tratem de remediar este contratempo.

— Não tem razão de se agoniar, amigo Fialho — contrariou mansamente Pantaleão. — Isto veio ao caso de você perguntar se tínhamos ouvido falar de sua mulher...

— Mas ouviram? — acudiu arrebatado o esposo de Ângela.

— Eu não! — condisseram os três simultaneamente: - mas você bem sabe — ajuntou Joaquim Antônio, ressalvando melhor juízo — que a nós ninguém dizia nada porque sabem que o Fialho e nós somos carne e unha.

— Sim — obtemperou Pantaleão — pode ser que haja alguma coisa; mas pelo que eu sei não perde ela.

— Mas vocês entendem que o dinheiro não foi para esmolas... — repisou o marido incomodado.

— Sim, eu... — murmurou Joaquim.

— A falar a verdade... — disse outro.

— É muita esmola... — concluiu o terceiro.

— Não que o administrador disse que podia ser!... — sobreveio Fialho, casquinando uma risada gosmenta.

— O administrador é um asno! — definiu laconicamente Pantaleão.

— Asno e mais alguma coisa! — obtemperou Atanásio.

— E então dizem vocês — tornou o brasileiro — que eu devo meter já minha mulher num convento?

— Pudera... — apoiou o marido de Francisca Ruiva.

— Deve dar esse exemplo de moral pública! — confirmou o marido da maiata.

— E saber quem lhe comeu os brilhantes para se lhe dar cabo da casta! — adicionou o matador do caixeiro.

— E isto como há de ser? — volveu meditativo o interrogador dos honrados juizes de sua dignidade. — Eu não a quero ver mais diante de meus olhos!

— Também nos parece acertado isso... — conveio um dos três.

— Pois então, é mister que os meus amigos se encarreguem de lhe dizer que se recolha a um convento.

— Não me nego a servi-lo, Sr. Fialho, no que puder ser-lhe útil — disse magnanimamente Atanásio. — Os amigos conhecem-se nas ocasiões, percebe você? Quer então que vamos dizer a sua mulher que é preciso já já entrar num convento...

— Se ela não disser a quem deu o dinheiro, nomeando os pobres um a um... — condicionou Hermenegildo.

— Apoiado! — aprovou Atanásio. — Se o dinheiro se foi em esmolas, então o caso muda muito de figura, acho eu.

— Isso é verdade — consentiu o fiscal da Misericórdia; - mas é necessário que ela não torne a cair na asneira de dar tão grandes esmolas... que eu, amigos e senhores meus, ainda que ela me dissesse os nomes dos pobres, havia de por de quarentena a galga!... Enfim, lá vamos... Amigo Fialho, descanse em nós, e espere-nos aqui.

Saíram os mensageiros, e ficou entregue às consolações do afetuoso dono da casa o agoniado marido.