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Os Ovos de Paschoa/Capítulo 6

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VI
UM OVO ENGASTADO EM OURO E PEROLAS

Durante a boa estação nada houve de novo no valle. Os carvoeiros cultivavam seus campinhos e iam ao matto fazer carvão ; as mulheres cuidavam da casa e criavam muitas gallinhas, e as crianças perguntavam sempre se ainda faltava muito para chegar á Paschoa.

A nobre senhora, porém, vivia muito afflicta. O seu velho o fiel servidor, que a tinha acompanhado no seu ermo, que tomava conta dos seus negocios e que fazia viagens mais ou menos longas, não podia mais se ausentar do valle : estava sempre doente, as forças iam-lhe diminuindo de mais a mais, e quando o outomno começou a amarellecer as folhas, das arvores elle foi obrigado a não sahir mais de casa, podendo apenas ficar á porta para se aquecer aos raios do sol. A boa senhora muito chorava em silencio ao vêr o pobre velhe soffrer tanto, e sentia perder o seu unico arrimo Ella affligia-se tambem com a idéa que lhe ia faltar noticias da sua patria, e que teria de ficar n'este valle para bem dizer sequestrada do mundo inteiro.

Mas não era só isso, e Céo reservava-llhe mais outras penas. Os carvoeiros voltaram um dia do bosque dizendo que, na noite anterior, estando elles assentados ao redor das carvoarias, vieram a elles quatro extrangeiros, todos encouraçados, de capacete na cabeça, espada á cinta e lança na mão, dizendo serem os vassallos do conde de Schoffeneck, que acabava de chegar á montanha com grande cavallaria ; disseram que esses homens tinham-se informado de tudo quanto se passava na região. O moleiro foi dar esta noticia á senhora, que elle encontrou assentada á cabeceira do
A nobre sennora estava sentada ao lado de Kuno.

bom Kuno. Ao ouvir o nome de Schoffeneck, a senhora empallideceu e exclamou :

« Deus do Céo! é o meu mais cruel inimigo : não ha que duvidar, sou eu quem elle persegue! Deus queira que os carvoeiros não tenham indicado o meu retiro á essa gente! » O moleiro tratou de tranquillisal-a, assegurando-lhe que não se tinha fallado n'ella, que esses homens armados tinham-se approximado do fogo sómente para se aquecerem, e que tinham partido logo ao amanhecer; mas que andavam ainda a rodar pela montanha.

« Meu caro Oswald, disse a senhora, desde o dia em que você me acolheu em sua casa, considerei-o sempro como um homem religioso, justo e leal. Vou confiar-lhe as minhas penas e o justo terror que apoderou-se de mim. Conto com o seu auxilio e os seus bons conselIhos, e os seguirei com toda confiança

« Eu sou Rosalinda, filha do duque de Borgonha. Dous distinctos condes, Hannon de Schroffeneck e Arno de Lindenburgo empenhavam-se para casar commigo. Hannon era um senhor muito rico e poderosissimo ; elle tinha muitos castellos e homens d'armas, mas os seus sentimentos eram baixos e viciosos. Arno era um dos mais nobres e dos mais valentes cavalheiros de todo o paiz, mas era pobre em comparação á Hannon : elle tinha herdado do seu generoso pae apenas um castello arruinado, e seus sentimentos eram por demais nobres para que se enriquecesse pela força. Foi Arno que o meu coração preferiu. Meu pae approvou a escolha, e eu levei de dote ao meu esposo bens consideraveis e alguns castellos. Vivemos na mais perfeita união e a nossa felicidade augmentava cada dia mais.

Mas Hannon vendo que não era elle o preferido, tomou odio de mim e do meu marido e jurou vingar-se. Entretanto, elle occultou sua animosidade : a prudencia o impediu de abrir as hostilidades. Emfim, meu marido foi obrigado a acompanhar o imperador á guerra contra os povos pagãos. O Hannon devia ir com elles, mas por differentes pretextos, demorou seus preparativos e deixou-os partir, promettendo partir para o exercito pouco tempo depois. Emquanto meu marido combatia na fronteira pela patria e que se cobria de gloria repellindo seus numerosos inimigos, o traidor Hannon assaltava nossas terras sem seus defensores. Devastou todos os arrabaldes, invadiu successivamente todos os nossos castellos, e só me restou o recurso de fugir ás escondidas com os meus dous filhos. O meu bom velho Kuno foi o meu anjo tutelar n'esta fuga perigosa, na qual eu arriscava a cada passo de cahir entre as mãos de Hannon. Elle conduziume á estas montanhas onde achei um retiro.

« Contava ficar aqui até que meu marido voltasse e arrancasse os nossos bens das garras d'esse mau homem. Kuno ia de vez em quando saber noticias da guerra ; mas até agora o que elle tem sabido é desesperador. O Hannon continuava sempre a gozar do fructo de sua usurpação, e a guerra continuava nas fronteiras com successos ora para uns ora para outros. Mas ha quasi um anno que o bom Kuno está doente e desde esse tenmpo não tenho tido mais noticias da minha patria nem do meu querido esposo. Ah ! quem sabe se elle já não cahiu aos golpes dos inimigos ! Hannon descobriu talvez o meu retiro, e eil-o tão perto de nós !... O que vai ser de mim? E meus filhos ? A morte é o menor mal que posso esperar d'esse homem... Ah ! falle com os carvoeiros, meu caro Oswald, e roguellhes que não me atraiçoem !

— Atraiçoar-lhe ! disse o moleiro, eu respondo por todos : elles estão promptos a dar a vida pela senhora. Antes que Schoffeneck lhe faça a menor avania, nos ha de têr todos pela frente. Não se atormente, nobre senhora ! » Foi tambem esta a linguagem dos carvoeiros, quando o virtuoso moleiro lhes poz a par do que se passava. « Que elle appareça! exclamaram, que elle venha! ha de ser com as nossas pás que lhe mostraremos o caminho ! »

Não obstante a boa senhora andava sempre afflicta. Ella não se atrevia a sahir de casa, nem deixava sahir os filhos. Passava os dias e as noites em continuo susto. Emfim, quando reinou a calma nas montanhas e que não viram mais homens armados, ella dicidiu-se um dia a dar um pequeno passeio : era por um bello dia de outomno, após muitos semanas de chuva e de mau tempo.

Algumas centenas de passos distante da sua casinha, havia uma especie de capella rustica. Dentro d'ella existia um bonito quadro representando a fuga para o Egypto,
Um pouco mais longe, havia um rustica capella.

que o Kuno tinha trazido de uma de suas excursòes, para que sua ama n'elle encontrasse consolações A capella estava achava-se em alto rochedo, e bonitas arvores davam sombra na entrada. Era um lugar que tinha alguma cousa de melancolico e silencioso ; a gente alli parava com o coração commovido. Lá se ia ter por um caminho agradavel, entre rochedos pittorescos e pequenas copoeiras : era o passeio favorito da senhora.

Ella lá foi n'esse dia, com o coração constrangido. Ajoelhou-se com seus filhos n'um .banco á entrada da capella. A semelhança de seu destino com o da Mãe divina, obrigada tambem a se refugiar com o filho em solo extrangeiro, commoveu-a muito e fel-a chorar. Ella resou durante alguns instautes, depois assentou-se no hanco. As criancas divertiam-se a apanhar amoras entre os rochedos, gritando contentes por que cada amora parecia uma pequena uva preta ; e pouco a pouco afastaram-se para bem longe.

Emquanto ella estava sósinha, com seus tristes pensamentos, um homem sahiu d'entre os rochedos e veiu direito á capella. Elle tinha, como os romeiros, uma vestimenta preta comprida, e por cima uma capa curta ; seu chapeu estava enfeitado de conchas do mar ; na mão tinha um enorme bastão branco. Elle parecia muito velho ; seu porte porém era nobre e o andar firme e resoluto. A sua comprida cabelleira, que cahia-lhe em desordem sobre os hombros, e sua barba era branca como a neve ; o rosto, porém, ainda, tinha o frescor da mocidade.

A senhora ficou assustada e recuou ao vêr o extrangeiro. Este comprimentou-a respeitosamente e poz-se logo a conversar com ella. Por muito tempo ella mostrou-se desconfiada, olhando-o com receio e procurando descobrir se podia fiar-se n'elle.

« Nobre senlhora, disse emfim o peregrino, não desconfie de mim ; a senhora não me é extranha eu a conheço melhor do que a senhora suppõe : a senhora é D. Rosalinda de Borgonha. Sei qual foi a horrivel causa que a obrigou a procurar um refugio no meio d'estes aridos rochedos ; seu esposo, de quem a senhora está separada ha tres annos, tambem o conheço perfeitamente. Depois da sua retirada para aqui, muita cousa se tem passado no mundo. Se Arno de Lindenburgo ainda está vivo no seu coração, e se a senhora quer saber noticias d'elle eu posso lhe dar excellentes. Está concluida a paz, o exercito christão entrou para os seus lares, coroado de louros. Seu esposo tornou a entrar em possessão dos seus dominios e castellos. Hannon, seu odioso perseguidor, está fugido : refugiou-se primeiro por aqui, mas foi obrigado a rectirar-se e ir para mais longe. Seu marido, minha senhora, só tem agora um unico e ardente desejo : é o de encontrar na senhora a sua terna e bem amada esposa.

— O que é que o senhor está dizendo? exclamou D. Rosalinda transportada. Eu terei meu marido ? Bendicto sejais vós, oh ! meu Deus ! » Dizendo isto, cahiu do joelhos e as lagrimas correram-lhe pelas faces. » É verdade, disse ella, é, Deus misericordioso, vistes minhas lagrimas, ouvistes as minhas supplicas, attendestes ás minhas preces que nunca deixei de fazer. Oh ! Arno ! Arno ! porque já não estou perto de ti! oh ! quanto eu desejo mostrar-te teus lilhos que deixaste tão pequenos ! Vem, vem depressa ouvir pela primeira vez da sua boca o doce nome de pae ! Ah! o senhor pergunta-me se ainda penso em meu marido, se a sua imagem ainda está gravada no meu coração ! Venham, venham cá ! gritou ella para os filhos, que estavam um pouco afastados olhando para o peregrino com curiosidade, venham depressa ! »

As duas crianças vieram « Approxima-te, Edmundo, disse ella a seu filho beijando-o e animando-a para que não fosse timido e fallasse claramente : recita a reza que dizemos todos os dias de manha por papá. »

O Edmundo poz as mãosinhas com recolhimento, e com emoção, os olhos levantados para o céo, disse : « Oh! nosso Pae do céo ! tende piedade de dous pobres orphaos ! Nosso pae está na guerra ; conservai-lhe, oh ! meu Deus, os seus preciosos dias : nós vos promettenos, senhor, de ser religiosos e bons, para agradar ao nosso pae e para que elle nos ame bastante quando voltar. Deus todo poderoso, ouvi nossa prece !

— E tu, Branca, disse a mãe, virando-se para a pequena de cabellos louros frisados, e ás faces rosadas, como é que nós rezamos todas as noites antes de nos deitarmos ? » A boa menina poz as mãos como fizera seu irmão, levantou os olhos azues para o céo e com voz suave e timida : « Nosso pae que estás no céo ! antes de irmos descançar, imploramos-lhe por nosso bom papá que vós nos destes sobre a terra : dai-lhe uma noite calma e boa, e que os vossos anjos o preservem de qualquer ataque inimigo ! Manda tambem um somno calmo á nossa mãe para que ella se esqueça por alguns momentos todas as suas penas e mmagoas, ou então, se ella não merece isso, que o nosso pae aproveite. Oh ! meu Deus faça com que seja esta a ultima noite de nossa triste separação ! que seja em breve o dia tão desejado em que o vejamos !

— Amen! amen ! » disse a mãe pondo as mãos e levantando para o céo os olhos banhados de lagrimas.

O peregrino não poude conter-se por mais tempo ; desatou n'um pranto. Rapidamente atirou para longe de si a cabelleira, a barba, a veste e a capa de peregrino. Era agora um guerreiro coberto de ouro e purpura, jovem, bello, cheio de força e de vida ! Estendendo os braços para a sua mulher e seus filhos, exclamou do fundo do seu coração opprimido : « Oh ! Rosalinda! minha esposa ! Edmundo! Branca ! meus queridos filhos! »

A boa D. Rosalinda ficou muda de jubilo e de surpresa. As crianças logo que viram chorar o peregrino, olharam para a mãe, como se qui
« Oh ! Rosalinda ! minha esposa ! »

zessem implorar soccorro, e viraram-se quando ouviram pronunciar seus nomes, e ficaram surprehendidos ao vêr a metamorphose subita do peregrino. Lembrando-se das historias da legenda que a mãe lhes lia, julgaram que o velho tinha-se de repente transformado em um anjo, tanto elle lhes pareceu bello ; e, com effeito, o Arno era o mais esbelto cavalheiro de todo o exercito christão. Oh ! Qual não foi a alegria d'elles, quando souberam que esse homem era o seu querido pae, esse desejado pae do qual lhes tinham tanto fallado ! Pae, mãe e filhos, transportados em extase, criam-se já reunidos no céo. Passaram-se algumas horas assim, como se fossem minutos.

D. Rosalinda soube do seu esposo que elle acabava de chegar com uma numerosa escolta para buscal-a, que tinha deixado seu sequito mais atraz por causa da difficuldade dos caminhos ; que para chegar mais depressa perto d'ella, tinha vindo adiante, a pé, vestido de peregrino, com o fim de saber da saúde d'ella e dos filhos e avisar-lhe da sua chegada. D. Rosalinda perguntou-lhe como é que tinha descoberto onde ella estava.

« Oh! minha Rosalinda! respondeu elle, a nossa reunião é o fructo da tua beneficencia para os pobres e sobretudo para as crianças d'este valle, e como recompensa que Deus restituiu a estas crianças o pae que elles não tem cessado de pedir. Sem os teus generosos sentimentos ainda não nos teriamos visto : talvez mesmo que não nos vissemos nunca, porque estavas rodeada de inimigos e podias de um dia para outro cahir em suas garras. Hannon te procurava com a sua tropa, e elle retirou-se d'estas montanhas porque sabia que eu ia chegar. Olha, accrescentou elle mostrando-lhe o ovo com a divisa : Confa em Deus, elle te ajudará ; foi d'este ovo que Deus serviu-se para nos reunir. Ha já muito tempo que mando gente minha por toda a parte á tua procura, mas debalde. Um dia vejo chegar Egbert, um dos meus escudeiros ; elle demorára-se tanto tempo ausente que eu já não contava mais vêl-o. Elle tinha cahido n'um precipicio e estava prestes a morrer de fome, quando um rapaz o encontrou n'esse triste estado, mitigou-lhe a fome com dous ovos, e deu-lhe este em lembrança de seu feliz salvamento. Egbert mostrou-me o ovo quando voltou. Grande Deus ! qual não foi a minha surpresa quando logo conheci a tua letra. Montámos logo a cavallo e corremos a todo o galope até á essa pedreira de marmore onde trabalhava o tal rapaz. Foi elle quem me guiou até aqui. Se o teu bom coração não te tivesse inspirado a idéa de dar uma festinha ás crianças offerecendo-lhes ovos de Paschoa, se tu não tivesses pensado em instruir essas crianças ao mesmo tempo que as divertias, por meio das bellas maximas que escreveste nos ovos ; e se todos, tu, meu bom Edmundo, e tu, minha querida Branca, se tivessem sido menos caritativos para um pobre moço extrangeiro, este bello dia nunca teria brilhado para nós ! Ah ! o mais pequeno beneficio nos vale a benção do céo, quando elle vem de um coração puro e desinteressado : é uma semente que produz abundantes fructos. Deus recompensa a charidade aqui mesmo na terra. Pensem bem n'isto, meus caros filhos. Dêm aos pobres, dêm-lhes de boa vontade : sejam em tudo o exemplo de sua mãe. Ajudem aos infelizes, e vocês hão de ser ajudados ; sejam misericordiosos. e hão de obter misericordia. Então poderão repousar com confiança na Provideneia divina, e hão de encontrar ainda para o futuro o cumprimento da verdade eterna inscripta n'este ovo, e da qual a nossa historia é uma tocante prova. Lembrem-se sempre do dia de hoje; confiem sempre em Deus e elle nunca vos ha de abandonar. Vou mandar encastoar este ovo com perolas e ouro e hei de pendural-o no altar da nossa capella, como lembrança da nossa feliz união.

Entretanto, o dia começava a declinar e já se viam brilhar algumas estrellas no firmamento. O conde seguiu com a sua esposa para a sua casinha campestre ; as duas crianças corriam na frente. Uma nova satisfação alli os esperava. Lá estavam Egbert e Fridolim que foram dar a noticia ao Kuno da chegada seu querido amo ; noticia esta que quasi que deu a saúde ao bom do velho ! Fridolim foi o primeiro que appareceu á condessa e aos filhos e comprimentou a todos alegremente como antigos conhecidos. Depois d'elle veiu o Egbert a quem os ovos salvaram a vida ; elle comprimentou a condessa com todo o respeito, e disse « Permitta-me, senhora condessa, que eu cubra de beijos esta mão bemfeitora que com a vontade de Deus salvou-me a vida. » O conde beijou com ternura o Kuno, seu velho servidor, apertou com gosto a mão do bravo moleiro, que tinha posto a sua bella roupa dos domingos. Elles jantaram todos juntos e nada faltou ao contentamento geral.

No dia seguinte, que alegria em todo o valle ! A noticia que um grande fidalgo era o marido da boa senhora poz tudo em movimento. Grandes e pequenos todos apressaram-se em vir vêl-o, e a casinha não póde contêr tanta gente. O conde sahiu com a sua mulher e seus filhos. « Oh! nós nada fizemos, disseram elles com os olhos cheios de lagrimas, foi a senhora, foi ella que nos encheu de amabilidades ! » O conde conversou muito tempo com essa honesta gente, fallou a todos, todos ficaram penhorados com a sua benevolencia e affabilidade.

Emquanto isto se passava, alguns carvoeiros tinham mostrado o caminho do valle á comitiva do conde. D'ahi ha pouco ouviu-se o som das trombetas e viram uma quantidade de cavalheiros, de escudeiros a pé e a cavallo surgir entre duas montanhas cobertas de mattas ; as armas brilhavam ao reflexo dos raios do sol.

Todos elles cumprimentaram a condessa com transportes de alegria e os gritos de regosijos, repetidos pelos echos dos rochedos, retiniram ao longe.

O conde ficou ainda alguns dias
Tados, muito alegres, conprimentavam-n'a.

no valle. Na vespera do dia da sua partida com sua esposa e filhos, com o Kuno e a sua comitiva, elle offereceu uin grande jantar a todos os habitantes do valle. Estavam reunidos á mesa o moleiro, os carvoeiros, o conde e a sua familia. No fim do jantar, o conde fez ricos presentes a todos os seus hospedes e principalmente ao moleiro. Martha continuou ao serviço da condessa. O conde não se esqueceu em suas dadivas do bom Fridolim e sua familia. Dépois dirigindo a palavra aos filhos dos carvoeiros : « Eu quero, meus amiguinhos, disse elle, fundar uma obra em favor de vocês, em razão da estada de minha mulher no meio dos seus paes, eu quero que todos os annos, por occasião da festa da Paschoa, distribua-se ás crianças, ovos tinctos de todas as côres. E eu, disse a boa da condessa, quero, em lembrança do meu livramento, que se faça a mesma cousa no nosso condado e que se dè a cada criança um ovo. » O que na verdade se fez : deram a esses ovos o nome de ovos de Paschoa, e pouco a pouco este costume espalhou-se por todo o paiz.

Quando este costume foi introduzido em outras regiões, os habitantes contam a maneira como a condessa foi tirada do seu arido valle, e o escudeiro salvo de uma morte certa, nos commove, é verdade, mui indirectamente para que tenhamos de commemorar isso por meio de um anniversario; mas os ovos de Paschoa hão de lembrar a nossos filhos um outro livramento, muito mais importante e que nos toca de mais perto, o livramento do peccado, do mal e da morte por Aquelle que venceu a morte e o peccado. A festa de Paschoa é com certeza a festa do livramento, e não fazemos mais do que nos conformar com a vontade do Redemptor fazendo d'ella um dia de festa para nossos filhos. O amor, não é elle o summario de sua santa religião e o signal distinctivo dos seus verdadeiros adoradores ? E esse amor o que é elle senão essa doce propensão que nos leva a alegrar os dias dos fortes e dos fracos com divertimentos innocentes e puros ? É verdade, o costume de dar ovos ás crianças ha de lembrar aos paes como a todos os homens a tenra solicitude de Deus para nós todos e ha de ser como uma especie de penhor dos seus sentimentos paternos. Pois, o Apostolo da verdade não disse : « Haverá entre vós um unico pae que queira dar a seu filho um escorpião em lugar de um ovo ? Se, pois, souberem dar ás crianças o que lhes é util e agradavel, o Pae Celeste ha de saber melhor ainda conceder áquelles que rezam a mais bella de todas as dadivas : refiro-me ao seu Espirito-Santo. »


FIM

PD Paris. — Tip. H. Garnier, 6, r. des Sts-Pères. 354.5.1910