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Os Trabalhadores do Mar/Parte II/Livro II/I

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I.


OS RECURSOS DAQUELLE QUE NÃO TEM RECURSOS.


A cava não soltava facilmente quem lá ia. A entrada era pouco commoda, a sahida foi ainda peior. Gilliatt entretanto safou-se, mas não voltou lá. Nada encontrou do que procurava, e não tinha tempo para ser curioso.

Poz immediatamente a forja em actividade. Faltava ferramenta, Gilliatt fabricou-a.

Tinha por combustivel os destroços, a agua por motor, o vento por folles, uma pedra por bigorna, por arte o instincto, por força a vontade.

Gilliatt entrou ardentemente nesse trabalho sombrio.

O tempo mostrava-se complacente. Continuava bello, e o menos equinoxial possivel. Chegára o mez de Março, mas tranquillamente. Os dias tornavam-se compridos. O azul do céo, a vasta doçura dos movimentos da extensão, a serenidade do meio dia, pareciam excluir qualquer intensão má. Alegrava-se o mar debaixo do sol. Um affago previo tempera as traições. A agoa marinha não é avara desses affagos. Com aquella mulher é preciso desconfiar do sorriso.

Havia pouco vento; a hydraulica soprava bem. O excesso do vento tolheria em vez de ajudar.

Gilliatt tinha uma serra; fabricou uma lima; com a serra attacou a madeira, com a lima, o metal; depois ajuntou as duas mãos do ferreiro, uma tenaz e uma pinça: a tenaz agarra, a pinça maneja; uma trabalha como a mão, a outra como o dedo. A ferramenta é um organismo. A pouco e pouco Gilliatt arranjava auxiliares, e construia as suas armaduras. Com um pedaço de ferro em folha fez uma anteparo na forja.

Um dos seus primeiros cuidados foi a separação e a reparação das roldanas. Concertou as caixas e as rodas das polés. Cortou a exfoliação de todos os barrotes quebrados e aplainou as extremidades; como dissemos, tinha para as necessidades da carpintaria, grande cópia de peças de madeira armazenadas, e apparelhadas, segundo as formas, as dimensões e as essencias, o carvalho de um lado, o pinheiro do outro, as peças curvas, como as porcas, separadas das peças direitas, como as que ligam as escotilhas. Era uma reserva de pontos de apoio e alavancas, de que podia precisar em um momento dado.

Quem quer construir um guindaste deve munir-se de traves e polés mas não basta isso, é preciso corda. Gilliatt restaurou os cabos e as cordas. Estendeu as vellas rasgadas, e conseguio extrahir excellente fio com que compoz uma sarja, e cirzio o cordoame. Mas essas costuras eram sujeitas a apodrecer, era preciso empregar as cordas e os cabos, Gilliatt apenas pôde fazer o massame sem ter alcatrão.

Concertou as cordas, concertou as correntes.

Pôde, graças á ponta lateral da bigorna, fazer aneis grosseiros, mas solidos; com esses aneis, prendeu uns aos outros os pedaços de corrente quebrados, e fez correntes compridas.

Forjar só, e sem auxilio, é mais do que incommodo. Comtudo Gilliatt conseguio fazêl-o. É certo que só teve de trabalhar na forja, peças de pequeno volume; podia meneal-as com uma mão, e martellar com a outra.

Cortou em pedaços as barras de ferro redondas do lugar do commando; forjou nas duas extremidades de cada pedaço, de um lado uma ponta, do outro uma larga cabeça chata, e desse modo fez grandes prégos de palmo e meio. Esses prégos, muito usados em trabalhos maritimos, são uteis para fixar os páos nas pedras.

Porque motivo Gilliatt tomava todo este trabalho? Vêr-se-ha.

Teve de refazer muitas vezes o fio da machadinha e os dentes da serra. Para a serra fabricou uma lima triangular.

Servia-se tambem do cabrestante da Durande. Quebrou-se a fateixa da corrente. Gilliat fez outra.

Com ajuda da pinça e da tenaz, e servindo-se da faca como de um virador emprehendeu desmontar as duas rodas do navio; conseguio. É preciso não esquecer que isso era exequivel; essa era a particularidade da construcção das rodas. As caixas que as tinham coberto, serviram-lhes de capas; com as taboas das caixas, Gilliatt arranjou dous caixotes onde metteu peça por peça, as duas rodas cuidadosamente numeradas.

O pedaço de giz servio-lhe para essa numeração.

Arranjou os dous caixotes na parte mais solida do convez da Durande.

Terminados estes preliminares, Gilliatt achou-se diante da difficuldade suprema. Surgio a questão da machina.

Desmontar as rodas foi possivel; desmontar a machina, não.

Primeiramente, Gilliatt conhecia mal aquelle mecanismo. Trabalhando ao acaso, podia produzir algum desconcerto irreparavel. Depois, mesmo para tentar desmontal-a peça por peça, se tivesse esta imprudencia, eram-lhe precisas outras ferramentas do que as que elle podia fazer n’uma caverna por officina, com o vento por folles, e uma pedra por bigorna. Tentando desmontar a machina arriscava-se a despedaçal-a.

Aqui podia-se crêr que estava diante do impraticavel.

Affigurou-se-lhe que estava ao pé deste muro: o impossivel.

Que fazer?