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Osmîa/Acto V

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ACTO V.
SCENA I.
 
LUCIO, PROBO, que entraõ da parte dos corredores.
 

Probo. POdes crer-me, já longe eſtá do campo
O Vetaõ de que fallas: Nao obſtante,
Bem fizeſte em buſcar-me; Oſmîa pede
Fallar com o Pretor; partir naõ ouſa
Do arraial ſem o ver.

Lucio. E Eledia o ſabe?

Probo. Eledia ainda naõ vi; mas percebido
Tenho grande rumor nos apoſentos;
E ſe applico os ouvidos, ouço em pranto
Oſmîa desfazer-ſe, lamentar-ſe,
Maldizer o ſeu fádo. A's vezes clama
Com grito enfurecido; mas em tanto
Só do Conſorte o nome lhe percebo.

Lucio. A compaixao m' excita; mas Eledia... [1]

SCENA II.
ELEDIA, e os ditos.
 

Eledia. QUe tormentoſo dia! que horroroſa,
Que barbara afflicçaõ lhe raſga o peito!

Probo. Eledia, em teu ſemblante ſe descobre
Hum eſtranho terror.

Eledia. Ah! ſe ſouberas
Que agudiſſima dôr nos atraveſſa!

Lucio. E de novo que veio? era ſabido
De Rindaco o deſtino?

Eledia. Mas Oſmîa
No fundo d'alma vivo o figurava.

Lucio. E por iſſo naõ parte?

Eledia. Que te poſſo
Dizer da ſua partida? naõ diſcorre;
Naõ ouve; chora, brama enfurecida,
Lacéra as veſtiduras. Se lhe fallo,
Contra mim ſe infurece. Nao reſpeita
Da idade a differença. Naõ dá preço
A meus ſerviços, antes de ſeus males,
Lhes attribue todo o pezo enorme.
Canſada de luctar inutilmente
Com ſua eſtranha dôr, vim Procurar-te,
Para ver ſe me podes dar noticia
Do que diſſe o Vetaõ; ou de qual ſeja
De taõ novo furor a cauſa inſana.

Probo. O Vetaõ ao ſahir arrebatado
Diſſe com turbo olhar Oſmîa chama
O Pretor, já naõ parte! quer fallar-lhe.

Eledia. Que eſcuto? já naõ parte? Que imprudencia! [2]

Lucto. Probo, vamos; o Barbaro affirmou-te
Que inda Oſmîa ao Pretor fallar pertende
Que lhe falle, que importa? Nem por iſſo
Deixará de partir. Mas huma ſombra,
Hum vulto s' avizinha? Sim, he ella.
Deixemo-las, amigo, em liberdade. [3]

SCENA III.
ELEDIA, OSMÍA.
 

Eledia. Poſſo, Oſmîa, eſperar ver mitigada
A dôr que te devora?

Oſmîa. Mitigada!
A dôr a furia! oh Deoſes! mais naõ poſſo.
Parte Eledia, e vai longe de meus olhos
Oſtentar os teus rigidos coſtumes.

Eledia. Oſmîa, eu naõ te argûo: ſó pertendo
Conter o teu furor. He juſta, he digna
De ti huma tal pena; e do Conſorte.

Oſmîa. Ah! jámais eſſe nome me profiras.
Porque o chaõ ſenaõ abre? porque Averno
Na denegrida fauce me naõ traga?

Eledia. Perdoa ſe te afflijo; mas reflecte
Que a virtude requer-te moderada.

Oſmîa. Qual barbara virtude? Qual fantaſma?
Qual ſonhada chimera? Eledia parte,
A virtude entre nós já naõ reſide.

Eledia. Eu tremo de eſcutar-te, Oſmîa, eu tremo.
Quando t'ouvi jámais impia, blasfema?
Socega-te huma vez.

Oſmîa. E que ſocego,
Que paz encontrar poſſo, ſe dos Fádos
Para eſcarneo naſci? ah! que a fortuna
Com duro pé o coraçaõ me calca.

Eledia. Se a conſtancia chamares em ſoccorro,
A ſorte vencerás.

Oſmîa. Já naõ he tempo
D'emprehender Heroiſmos; naõ he tempo.

Eledia. Logo he certo que ao Mando preferiſte
A vil cadeia, Oſmîa? e que naõ partes?
Queres tu meſma ſer quem do triunfo
Vás a pompa exalçar em teu ludibrio?
Tu Princeza de Póvos, que te adóraõ
N'um tal abatimento? e ſupportallo
Poderaõ eſtes olhos, ſem ventura?
Ah! torna, torna em ti, querida Oſmîa. [4]
De Rindaco inſepulto aos claros manes
Naõ exacerbes mais a dôr extrema.
Tu ſuſpiras [5] tu choras? Sim, quebremos,
Sem demóra, quebremos eſte encanto.
Confunde o vil Pretor, teu nome ſalva.

Oſmîa. [6] Vai-te (cruel!) nem tornes a meus olhos,
Sem que eu meſma to ordene. E que! naõ partes?

Eledia. Inſana! eu te abandono; nem te canſes
Em chamar-me outra vez: debalde fôra.
Paſſar poſſo ſem ti; aſſim tu poſſas,
Sem os bons que deſprezas, ſer contente. [7]

SCENA IV.
OSMÍA ſó.
 

Oſmîa. TRiſte, miſera Oſmîa! até que ponto
Teus males s'amontoaõ? De que ſerve
A grandeza, a virtude , a heroicidade
Se ao preceito cruel do Eſpoſo inſano,
Tudo deve ceder n'um ſó momento?
Meu coraçaõ, minha alma ſe rebella
Contra a lei inhumana. Com vil fraude...
Eu! derramar hum ſangue virtuoſo!...
Cravar no peito inerme o ferro iniquo!...
Naõ he poſſivel: naõ. E que delicto,
Que furor contra Lelio aſſim nos arma?
Amar-me foi ſeu crime. Oh Deos! e quando?
Quando mo declarou? o retirar-me,
Naõ propoz elle meſmo?.. Ah! ſenaõ foſſe
De Rindaco a imprudente falſidade
Nem elle s'atrevêra... nem eu meſma
Ao coraçaõ as redeas afrouxára...
Mas em vaõ me deſculpo, em vaõ pertendo
Aligeirar o mal que me condemna.
E que devêra Oſmîa hum ſó inſtante
Alongar a partida? Sem cautela
Preſtar brandos ouvidos a projectos,
Contra as Leis, contra os uſos concebidos?
Ah! que mal, (infeliz) mal te escutaſte!
Mal o teu coraçao ſondar ſoubeſte!
E's tu Oſmîa? Se és Oſmîa, a pena
Deves logo pagar, que huma imprudencia
Da tua maõ requer: ſim, ſim, morramos:
Doce couſa he morrer ſe ſalvo em tanto
O coraçaõ d'ingratidaõ taõ feia.
Mas que faço em morrer! meu nome cubro
D' opprobrios immortaes... ſe eu conſeguiſſe
O Eſpoſo inda abrandar? porém nem vêllo
Me ſerá concedido. A procurallo
Sem tino torno aqui: o tempo foge,
E de Lelio o fatal encontro eu temo.
Ah! que ſinto rumor: Oh! Ceos! o ſuſto
Mil chimeras me finge. Qualquer ſopro
Com que o vento ſacode eſte arvoredo
Me faz crer, que de Lelio a voz eſcuto.
Onde hum Deos acharei, hum Deos benigno,
Que algum meio me inſpire de ſalvar-me
Do tranſe abominavel. Ah! que hum vulto...
As armas lhes centillaõ: Sim he elle!..
Momento tenebroſo! [8]

SCENA V.
OSMÍA, MANLIO e PROBO, que ſe retira ao aceno do QUESTOR.
 

Probo. MAnlio, chega;
Oſmia tens alli: vens a bom tempo.

Manlio. [9] Princeza!

Oſmîa. [10] (á parte) Reſpiremos, que pertendes?

Manlio. Venho a propor-te, Oſmîa, que te deixes
Dominar da razaõ, e que contente
De levar a teus Póvos o triunfo
Dos corações Romanos, te retires.

Oſmîa. Romano, eſſa linguagem naõ percebo.
Sei que meus Póvos querem reſgatar-me;
Sei que Lelio o permitte, e que ſó pende
Da minha deciſao o ponto extremo.
Tenho as minhas razoens, e reſolver-me
Naõ he taõ facil, naõ...

Manlio. Attende, Oſmîa,
Já todos os ſegredos ſaõ patentes
Do Pretor ao amigo, que em ſeu nome
Te propoem o partir.

Oſmîa. Lelio o pertende?
Oh! quem podéra, contentando a Lelio,
Sem demora partir já neſte inſtante!

Manlio. Lelio, apenas reſiſte a dôr intenſa,
Que a partida lhe cauſa; porém Lelio
Naõ te ama como barbaro, receia
(Antes ſabe de certo) que ſe arriſca
Teu reſpeito em ficar. Que mil inſultos
Soffrerás das Cohortes; e naõ deve,
Naõ póde conſentir que arraſtre ferros
Quem de ſeu coraçaõ ſe fez Senhora.
Quanto os Vetoens promettem, tudo deixa
A teu livre diſpôr. Nem hum ſó Luzo
Entre nós ficará. Manlio te jura.
Fazer que approve Roma eſſa alliança,
Que o Pretor trata com os Turdetanos.
Sem Feudo impor-lhes, quer reconhecellos
Por amigos do Imperio. Senaõ partes,
Fruſtrado fica tudo, nem ſe trata,
Oſmîa, do reſgate de teus Póvos
Tudo péza o Pretor, a tudo attende
E laſtimado em premio, ſó te roga
Que partas ſem demora, e ſem que o vejas...
E que...

Oſmîa. Manlio... naõ mais... [11] Ah! qual anguſtia
Manlio. Oſmîa! Oſmîa! a palidez, a morte.
No roſto repreſenta. Que faremos ?
Princeza!... em vaõ a chamo.. Venha Eledia
A dar-lhe algum ſoccorro. Probo, Probo! [12]
Ouve; conduze Eledia ſem demora,
E deſvia o Pretor: por elle tremo.
Tremo pela Princeza; para todos
O lance he perigoſo; mas vem Lelio, [13]
Juſtos Deoſes valei-nos!

SCENA VI.
LELIO, e os ditos.
 

Manlio. LElio, vamos
Eledia, procurar...

Lelio. Eu ſó procuro
Oſmîa que me chama, nem de Eledia...

Oſmîa. [14] Barbaro!... que? partir? e tu, tu meſmo...

Lelio. Manlio, que ouvi?

Manlio. [15] Perdemos o trabalho:
Venha Eledia...

Oſmîa. [16] Ai de mim!

Lelio. E como a vejo!
D'onde tamanho mal? A que me chamas?
Princeza, a que me chamas?

Oſmîa. Eu... que dizes?...
Tu foſte... Eu... que! .. chamar-te? foge, foge...
[17] Foge longe daqui, naõ m' appareças.

Lelio. Porque de ti me affaſtas? que delicto
Oſmîa commetti? S'arranco d'alma
Hum esforço, que apenas mal ſuſtento;
Se por ſalvar-te, em fim, de mil inſultos
Quaſi que a vida exhálo; ſe pertendo
Que partas ſem me ver, qual ſeja a cauſa
Naõ alcanças tu meſma?

Oſmîa. Pretor, bafta,
Compaixaõ tem de mim naõ mais lacéres,
Tu meſmo, o coraçaõ que outros raſgáraõ.

Lelio. Raſgar-te o coraçaõ... Eu? cara Oſmîa!
Que naõ ſoube tocallo? quem naõ pode
Fazer nelle pegar huma faiſca
De fogo que me abraza, poderia,
Morrendo de' afilicçaõ, deſpedaçallo?

Oſmîa. Que terrivel momento! Lelio... baſta.

Lelio. Princeza, tu ſuſpiras?... que? tu choras?...
Serei eu taõ feliz partir naõ queres?
Oh triunfo! Oh! amor!

Oſmîa. Ah! porque a vida
Nao córtas d'uma vez, forte inhumana ?

Lelio. Mas tal agitaçaõ!... tanta amargura!...

Oſmîa. Pretor, naõ imagines... naõ... naõ creias,
Que a minha agitaçaõ... naõ ſei que digo.

Lelio. Proſegue, bella Oſmîa, naõ m'eſcondas
O mal que teus eſpiritos tranſtorna.

Oſmîa. Grata a teus beneficios, mas ligada
Com rigidas cadeias poſſo apenas
Dizer-te que a virtude me levára
A lançar maõ de quanto m'offereces.
Que a gloria o requeria; que meu peito
(Sem poder deſejallos) te acceitára
Taõ illuſtres, taõ grandes ſacrificios;
Mas ſou mais infeliz [18] Hum Deos irado
Me obriga... a que naõ parta... que deſpreze,
Lelio, teus grandes dons... teus precióſos
Sublimes beneficios... ſorte inſana,
Me condemna a viver infame vida...
E que te perca (oh Deos!) E que naõ poſſa
Compenſar com meu ſangue...

Lelio. Tu deliras?

Oſmîa. Naõ, Pretor, naõ deliro, ſó pertendo,
Que o campo já levantes; que me deixes
Exhalar meu eſpirito opprimido
Em torno áquellas áras... Mais naõ tardes...
Parte, parte daqui. He precioſo
O tempo que eſperdiças: naõ te exponhas...
Naõ poſſo dizer mais, em paz me deixa.
Lelio. Que eſtranha confuſaõ!

Oſmîa. [19] E ainda naõ partes?
Que infania te detem?... Infeliz! vai-te...

Lelio. Naõ, cruel inimiga, inda me falta
Dar para contentar-te a prova extrema.
Pois que hum odio mortal t'occupa o peito,
Fartallo me convem: Sim, toma [20] ingrata !...

Oſmîa. Ah!

Lelio. Crava, crava, enſopa no meu peito
Eſte ferro.

Oſmîa. Infeliz!...

Lelio. He tempo, Oſmîa,
De vingares tu meſma o crime altivo,
Que em te amar commetti. Aos manes crûos
Do ditoſo Conſorte ſacrifica
Efta vida, que a gloria ſuſtentava,
E que odioſa a Oſmîa ſe tem feito.
Que t'embarga?... piedade em ti naõ mora.

Oſmîa. Iſto ſó me faltava [21] Do meu fádo
Toda a furia raivoſa me accommette.
Pretor [22] mais naõ me afflijas. Déra a vida
Por conſervar a tua: o meu conſelho
Segue velóz. O Ceo... o Ceo quizera [23]
Que ingrata foſſe Oſmîa e que naõ viſſe
Em ti Romano illuſtre o mais ſublime
O mais digno... o mais grato. [24]

Lelio. Acaba, Oſmîa.

Oſmîa. [25] Acabo de viver, Pretor, oh Deoſes!
Ah! Salva-te, Pretor

Lelio. Oſmîa!...

SCENA VII.
LUCIO, PROBO com a eſpada na maõ á frente das guardas, que entraõ por diverſas partes. LUCIO detem, o PRETOR, que vai em ſeguimento d'OSMÍA: e o PRETOR apenas entra no Theatro, diz com a maior rapidez.
 

Probo. AS armas!

Lucio. Corre, Lelio: o Vetao aſſalta o campo...

Lelio. [26] Eſta eſpada ao Traidor... Tu fegue Oſmîa,
Velóz a ſegue, Probo, e ma defende..

SCENA VIII.
ELEDIA ſó. Entrando pelo lado esquerdo, e vendo ainda PROBO, que ſe ſome por entre o arvoredo.
 

Eledia. PRobo eſcuta, nao me ouve. Vejo em armas
Todo o campo: revolta m' annuncia.
Poz-ſe o termo talvez á forte infauſta,
Da deſgraçada Oſmîa. Porém onde,
Onde Oſmîa s' occulta? a todo o cuſto
(Bem que de ſi m'affaſta a ingrata Oſmîa)
Quizera ſoccorrella: o rumor creſce:
As guardas vi correr. Ah! naõ ſucceda
Que no tumulto algum deſaſtre encontre.
A Princeza, ſem armas; como póde
Hum inſulto evitar? Talvez no boſque...
Hum recinto alli ha... ſim, ſim: na mente
Huma luz me raiou, que mo aſſegura. [27]
Mas... que terror eſtranho me ſacode!
Que medonhos eſpectros me rodeaõ!...
Que eſtranhos caracteres me apreſenta,
Na tabella fatal, a temeroſa
Trêmula maõ do turbido Futuro?
Que fogo envolto em fumo ſe levanta...
Que horror! e donde emana eſta crueza?
Donde o fervido ſangue que gotejaõ
As nuvens fulminantes? Que eſtridente
Sibilar? Que ululádo opáco, e triſte?...
Oh Fádos implacaveis! explicai-vos. [28]
Cá bem no fundo d'alma me parece,
Que Oſmîa por mim chama... eu parto, eu corro;
Pelas ſombras eſpêſſas m'arremeſſo:
Vejo Romanos: vou ſalvar-te, Oſmîa,
Ou comtigo acabar a triſte vida.

SCENA IX.
LELIO, PROBO ambos apreffados, mas cada hum por diverſo lado.
 

Lelio. OSmîa!... Oſmîa! Que ... Ah Probo! e onde;
Onde deixaſte Oſmîa? naõ reſpondes.

Probo. Por mais que a procurei

Lelio. [29] Torna, vai... vôa.
O campo, o monte corre,... Eledia, Oſmîa
Ambas venhaõ aqui. Naõ váes? [30] Que horrenda!
Que negra atrocidade! No conflicto
Nomear ouvi Rindaco: ſe vive;
Se motor da traiçaõ he convencido,
Co' a vida ha de pagar quantas anguſtias
Me tem feito ſoffrer. Perdôe Oſmîa.
Em borbotoens verei correr o ſangue
Do pérfido Vetaõ, que tanto abuſa
Da virtude Romana.

SCENA X.
MANLIO, com ſequito de Guerreiroz,

RINDACO prizioneiro, e ferido...

VETOENS prizioneiros. Soldados Romanos.
 

Lelio. VIvo, eu morto
Faze Manlio, por fim que ſe deſcubra
O barbaro fautor de tanto inſulto.

Manlio. Já em ferros, Senhor, o tens preſente. [31]

Lelio. [32] Quem és? d'onde vieſte? e que intentavas?

Rindac. [33] Sou hum a quem tu (barbaro) offendeſte,
Que vingança reſpira, e qu'inda eſpera
Immolar-ſe huma victima... que farte
A ſua juſta ſanha. Venha Oſmîa
Ella me veja, e morrerei contente.

SCENA XI.
Os ditos, e pela parte do boſque PROBO, e apoz elle ELEDIA, ambos dando ſinaes da maior conſternaçao, e terror.
 

Lelio. E que... naõ vem Oſmîa?.. Emmudeceſte? [34]

Probo. Senhor, melhor Eledia te reſponda. [35]

Lelio. Eledia... E porque tarda?

Rindac. A mim reſponda. [36]
He morta Oſmîa?

Eledia. Rindaco, e tu vives?

Lelio. O malvado... porém ſalve-ſe Oſmîa.
Talvez tempo tenhamos de valer-lhe.

Eledia. Naõ, debalde, Pretor, debalde o intentas,
Que ainda agora (naõ ſei como o repita)
Entrando neſſe boſque, huns taes gemidos
Ouvi...

Lelio. Ah! diſgraçado!...

Rindac. Morra ao menos.

Lelio. Proſegue, Eledia, e naõ m'occultes nada.

Eledia. De mil negros preſſagios agitada
O boſque penetrei: lá do recinto
Que ás libaçoens ſervia, enfraquecida,
Rouca voz vinha a mim: julguei chamar-me:
Corro ao ſitio (ai de mim!) e nelle vejo
A minha triſte Oſmîa, ſobre a terra
Inclinada jazer, e quaſi extinta.
Do coraçãõ, ao vélla, ſolto hum grito,
E ella do intimo d'alma a voz arranca
Por continuo ſoluço interrompida:
„Meus exceſſos, amiga, tu deſculpa.
„Ingrata, naõ te ſou. Lava o meu ſangue
„Delicto involuntario: atroz vingança
„Me dá morte; mas vil naõ perco a vida
Lelio profere, e Rindaco acabára,
Mas truncada a palavra pelo meio
Co' a vida fica...

Lelio. [37] Manlio, naõ reſiſto

Eledia. Eſcaça luz que as ramas atraveſſa,
Me deixa ver hum ferro já cravado
Todo dentro do peito... [38] mais naõ poſſo...
Eſtas máos inda tintas de ſeu ſangue
Ao coraçaõ a morte eſſtaõ chamando. Parte

Lelio. Lucio, Eledia acompanha, e de meus olhos
Eſſe monſtro retirem, ou eu meſmo [39]
Em pedaços farei que o vento o leve.

Rindac. Já meu valor te prevenio; [40] mas antes
Que no Averno inſultar poſſa a Conſorte...
(A fraquiſſima Eſpofa) Sabe... infame!...
Que a fim de que ella meſma me vingaſſe
Eu fiz que em nome ſeu aqui vieſſes...
Nem preſumas... ſe o ferro em ti naõ crava,
Que... piedoſa te poupa: naõ... jurou-me
Eſpedaçar-te o coraçaõ... e ſe houve
Algum momento... em que lhe pareceſſes...
Menos odioſo... ſabe... que me diſſe...
E... que me... preferio.

Lelio. Barbaro, morre. [41]

Manlio. Ah! detem-te, naõ manches n'um cativo
As mãos victorioſas.

Rindac. Só ás minhas
A vida cederei. Triunfo [42] e morro.

Lelio. Dia cheio d'orror!

Manlio. Ah! Lelio, e quantos;
Quantos males comſigo traz a força
D'uma paixao violenta.

Lelio. Oſmîa!

Manlio. [43] Amigo,
A' ſorte naõ te rendas: toma alento:
O'triunfo te chama. Louva aos Numes
Qu'inda a gloria te ſalvaõ: Corre a Roma;
Se a virtude ſevéra corta os dias,
D'Oſmîa generoſa tambem crôe
Os esforços de Lelio. A Roma, a Roma. [44]

Lelio. [45] Oh esforços!... oh Roma!... oh ſuſpirada!...
E ſuſpirada em vaõ!... Amada Oſmîa. [46]

 
FIM.
  1. Vendo entrar Eledia.
  2. Fica abſorta, e naõ torna em ſi, ſenaõ quando parte Probo, e entaõ vê Oſmîa.
  3. Partem para o campo.
  4. Pegando-lhe na maõ com ternura.
  5. Beijando-lhe a maõ com a maior ternura.
  6. Soltando-lhe a maõ com violencia.
  7. Parte arrebatadamente.
  8. Vem para a boca do Theatro na acçaõ da mais expreſſiva amargura.
  9. Despede Probo.
  10. Oſmîa vendo que naõ he o Pretor, ſe deſaffoga.
  11. Oſmîa em paſſos pouco firmes ſe avisinha ás columnas, e cahe deſmaiada em um aſſento, que haverá entre ellas.
  12. Probo apparece, e vendo Oſmîa com hum geſto de compaixão, parte pelos corredores.
  13. Manlio corre para Lelio, querendo impedir-lhe, que veja Oſmîa.
  14. Recobrando-ſe, mas ainda ſem pleno conhecimento.
  15. Percebendo que o Pretor naõ tarda em conhecer Oſmîa, entra por onde vira retirar-ſe Probe.
  16. O Pretor corre ao lugar de onde ouve queixar Oſmîa, e eſta ſe recobra á proporçaõ que o Pretor falla.
  17. Levantando-ſe.
  18. Chorando.
  19. Com ardor, que parece impaciencia. O Pretor quer interrompella, ella naõ o deixa fallar, e com impeto o deſpede de ſi.
  20. Deſembainhando a eſpada, precipitadamente a offerece a Oſmîa, que a reſpeita com huma eſpecie de eſstremecimento.
  21. Com extrema afflicçaõ.
  22. Com brandura.
  23. Com a mais viva expreſſaõ.
  24. Soa a buzina, Oſmîa faz huma acçaõ de extrema anguſtia, e depois de hum breve momento, corre para o bosque.
  25. Já do boſque volta, e no tom do clamor mais aſpero, diz.
  26. Empunhando a eſpada, corre Lelio para o campo ſeguido de Lucio, e dos guardas; e Probo depois das ultimas palavras de Lelio, parte tambem correndo para o boſque.
  27. Encaminha-ſe reſoluta para o boſque, e pouco depois pára como eſpavorida.

    Tudo o que ſe ſegue he dito com o ar de huma peſſoa tranſportada.

  28. Fica abſorta hum momento, e depois como que na verdade eſcuta, repete o que ſe ſegue: e por fim parte reſoluta para o bosque.
  29. Com precipitaçaõ
  30. Parte Probo para o boſque.
  31. Moſtrando Rindaco.
  32. Com impaciencia.
  33. Com firmeza, e ſemblante ameaçador.
  34. A Probo com impeto, e impaciencia.
  35. Moſtra Eledia, e parte confuſo.
  36. Groſſeiramente interrompe o Pretor e com arrogancia faz a pergunta a Eledia, a qual, como abſorta, a nada attendio, e ſó deſperta á voz de Rindaco. Entaõ com a expreſſaõ do maior aſſombro o reconhece, e eſta meſma affecçaõ moſtram os circumſtantes, mas Lelio mais vivamente.
  37. Por extremo conſternado..
  38. Com a mais viva expreſſaõ de dôr.
  39. Enviando-ſe enfurecido contra Rindaco.
  40. Moſtrando a ferida. Toda eſta falla deve ſer animada da arrogancia caracteriſtica de Rindaco; mas as frazes devem ſer interrompidas aſſaz pela cólera, como pela fraqueza, que ſuppoem a qualidade da ferida.
  41. Deſembainhando a eſpada até o meio, vai para Rindaco, Manlio o detem.
  42. Rindaco mette as mãos na ferida, e cahe proferindo a ultima palavra com aſpereza.
  43. A Lelio, que o naõ attende, todo abſorto, e pepetrado de amargura.
  44. Pegando-lhe do braço.
  45. Com a mais forte expreſſaõ.
  46. Desce o panno.