verter por meio de um sermão, ha de haver tres concursos: ha de concorrer o prégador com a doutrina, persuadindo; ha de concorrer o ouvinte com o intendimento, percebendo; ha de concorrer Deus com a graça, allumiando. Para um homem se vêr a si mesmo são necessarias tres coisas: olhos, espelho e luz. Se tem espelho e é cégo, não se póde vêr por falta de olhos; se tem espelho e olhos, e é de noite, não se póde vêr por falta de luz. Logo ha mister luz, ha mister espelho, e ha mister olhos. Que coisa é a conversão de uma alma senão entrar um homem dentro em si, e vêr-se a si mesmo? Para esta vista são necessarios olhos, é necessaria luz, e é necessario espelho. O prégador concorre com o espelho, que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o homem concorre com os olhos, que é o conhecimento. Ora supposto que a conversão das almas por meio da prégação depende destes tres concursos: de Deus, do prégador, e do ouvinte; por qual delles havemos de intender que falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do prégador, ou por parte de Deus?
Primeiramente por parte de Deus não falta, nem póde faltar. Esta proposição é de fé, definida no concilio tridentino, e no nosso evangelho a temos. Do trigo que deitou á terra o semeador, uma parte se logrou, e tres se perderam. E porque se perderam estas tres? A primeira perdeu-se, porque a afogaram os espinhos; a segunda, porque a secaram as pedras; a terceira, porque a pisaram os homens, e a comeram as aves. Isto é o que diz Christo; mas notae o que não diz. Não diz que parte alguma daquelle trigo, se perdesse por causa do sol ou da chuva. A causa porque ordinariamente se perdem as sementeiras, é pela desigualdade e pela intemperança dos tempos, ou porque falta ou sobeja a chuva, ou porque falta ou sobeja o sol. Pois porque não introduz Christo na parabola do evangelho algum trigo que se perdesse por causa do sol ou da chuva? Porque o sol e a chuva são as influencias da parte do céu, e deixar de fructificar a semente da palavra de Deus, nunca é por falta do céu, sempre é por culpa nossa. Deixará de fructificar a sementeira, ou pelo embaraço dos espinhos, ou pela dureza das pedras, ou pelos descaminhos dos caminhos; mas por falta das influencias do céu, isso nunca é, nem póde ser. Sempre