palavras, mas não são palavras de Deus. Fallo do que ordinariamente se ouve. A palavra de Deus (como dizia) é tão poderosa e tão efficaz, que não só na boa terra faz fructo, mas até nas pedras e nos espinhos nasce. Mas se as palavras dos prégadores não são palavras de Deus, que muito que não tenham a efficacia e os effeitos de palavra de Deus? Ventum seminabant, et turbinem colligent, (Oseæ VIII — 7) diz o Espirito Santo: quem semêa ventos, colhe tempestades. Se os prégadores semeam vento, se o que se préga é vaidade, se não se préga a palavra de Deus, como não ha a egreja de Deus de correr tormenta em vez de colher fructo?
Mas dir-me-heis: Padre, os prégadores de hoje não prégam do evangelho, não prégam das sagradas escripturas? Pois como não prégam a palavra de Deus? Esse é o mal. Prégam palavras de Deus, mas não prégam a palavra de Deus: Qui habet sermonem meum, loquator sermonem meam vere, (Jerem. XXIII — 28) disse Deus por Jeremias. As palavras de Deus prégadas no sentido em que Deus as disse, são palavras de Deus; mas prégadas no sentido que nós queremos, não são palavra de Deus, antes póde ser palavra do demonio. Tentou o demonio a Christo a que fizesse das pedras pão. Respondeulhe o Senhor: Non in solo pane vivit homo, sed in omni verbo, quod procedit de ore Dei. (Matth.IV — 4) Esta sentença era tirada do capitulo oitavo do Deuteronomio. Vendo o demonio que o Senhor se defendia da tentação com a escriptura, leva-o ao templo, e allegando o logar do psalmo noventa, diz-lhe desta maneira: Mitte te deorsum; escriptum est enim, quia angelis suis Deus mandavit de te, ut custodiant te in omnibus viis tuis. (Psal. XC — 11). Deita-te d’ahi abaixo, porque promettido está nas sagradas escripturas, que os anjos te tomarão nos braços para que te não faças mal. De sorte que Christo defendeu-se do diabo com a escriptura, e o diabo tentou a Christo com a escriptura. Todas as escripturas são palavra de Deus; pois se Christo toma a escriptura para se defender do diabo, como toma o diabo a escriptura para tentar a Christo? A razão é porque Christo tomava as palavras da escriptura em seu verdadeiro sentido, e o diabo tomava as palavras da escriptura em sentido alhêo e torcido: e as mesmas palavras, que tomadas em verdadeiro sentido são palavras de