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SERMÕES.
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IV.


A segunda boa propriedade e excellentemente boa que teve este conselho, foi o modo da proposta: Quid facimus, quia hic homo multa signa facit: Que fazemos, que este bomem faz muitos milagres. Não sei se reparaes no que dizem, e no que não dizem. Não dizem, que havemos de fazer, senão que fazemos? Ah que grande conselho, e que grandes conselheiros! Conselheiros de que havemos de fazer, não são conselheiros. Os conselheiros bão de ser homens de quid facimus: Que fazemos? E vêde que discretamente inferiram e contrapezaram a proposta. Elles eram inimigos de Christo, e tinham a Christo por inimigo, c'diziam: Quid facimus, quia hic homo multa signa facit? Notae o facit, e o quid facimus. Basta que nosso inimigo fax, e nós não fazemos ? Nosso inimigo faz, e nós havemos de fazer? Nosso inimigo faz milagres, e nós não fazemos o que se pode fazer sem milagre? Já que elle faz, façamos nós: Quid facimus? Que fazemos ? A razão porque se perdeu tanta parte daquella tão hourada monarchia da Asia, ganhada com tão illustre sangue, qual foi ? Porque o inimigo fazia, e nós haviamos de fazer. Não vamos tão longe. Em quanto Portugal teve homens de havemos de fazer (que sempre os teve) não tivemos liberdade, não tivemos reino, não tivemos coroa. Mas tanto que tivemos homens de quid facimus, logo tivemos tudo.

Quando Christo fez aquelle famoso milagre dos cinco pães no deserto, quizeram-no acclamar por rei; mas não o consentiu o Senhor. Quando entrou por Jerusalem, acclamaram-no por rei: Benedictus qui venit in nomine Domini, rex Israel. (Joan. XII -13) E Dão só o consentiu e approvou, mas louvou e defendeu os que o acclamaram. Pois se Christo admittiu o titulo de rei na corte, onde era mais arriscado, porque o não admittiu no deserto onde não havia risco? Sabeis porque? Porque quiz aceitar o titulo de rei da mão de homens que o fizeram, e não da mão de homens que o haviam de fazer. Notae o que diz o texto: Jesus autem cum cognovisset, quia venturi erant, ut raperent eum, et facerent eum regem, fugit. (Ibid. VI-15) Vendo o Senhor, que