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Página:A Dança do Destino - Lutegarda Guimarães de Caires (1913).pdf/53

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O charuto
 

 

Era um mendigo e tinha esta alcunha.

Só por ela era tratado e não havia garoto que o não conhecesse.

Era um decano da mendicidade de Lisboa. Vivia só: não tinha familia, nem tinha casa.

Os dias passava-os percorrendo a cidade a estender a mão á caridade publica; à noite recolhia-se numa cova aberta, num campo dos arrabaldes.

Não tinha outra habitação, e o leito da cova era a sua unica e misera cama.

Por docel, o ceu cravejado de estrelas ou chorando fios de chuva.

Nas noites calmosas do estio, suava ao bafo febril da terra esbrazeada do sol; nas álgidas noites do inverno, tiritava sob o gabão desfiado, soltando gemidos convulsos, que se cruzavam com os latidos dos cães uivando de fome e frio.

Uma noite, nas ultimas invernias, a cova abateu, a vala era profunda, encheu-a num relampago a formidavel enxurrada, e una onda de lama asfixiou-o, matando-o, antes que êle tivesse tempo de acordar.