uma caricia confortadora, como uma prece que se evola até Deus.
E quando ela cantava, escusavam as enfermeiras de a mandar calar.
Não as ouvia.
Um sorriso na comissura dos labios, um lampejo contemplativo no olhar, e as trovas, os cantos populares, as baladas melancolicas, todo um passado de sonhos, todo um seculo de recordações perpassavam em melodias suaves, que se extinguiam, perdidas no silencio das tétricas noites do hospital.
Uma vez pôz-se a rir, murmurando:
— Schiu! deixem ouvir o Gaspar!
E entre frouxos de risos, muito miudinhos, muito subtis, cantarolava:
Quando os porcos todos bailam.
anunciam muita chuva...
As doentes sorriam. Uma rapariguinha, muito pálida, que estava no leito proximo, sentou-se na cama e com uma expressão alegre esperava anciosa pelo resto. Mas ela calou-se. A rapariga então chamava:
— Ó Cotovia! — e pedia, muito empenhada: — Cante mais, ande, cante! a gente está aqui tão aborrecida!
Mas isso sim! Ela ouvia-a lá! Com as mãos cruzadas no peito, olhos meio cerrados, por onde pairaria aquele espirito vacilante! Quem o sabe!