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A esperança
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Amisade, como é nobre
O teu tão doce sorrir...
Só elle nos faz esquecer
Das dores acerbo pungir!..

Só tu tens puros encantos,
Minha formosa deidade,
Só tu enchugas os prantos
O' doce e nobre amizade.

Quando somos pequeninos,
Inda no berço deitados;
Tu pagas a nossas mães
Os seus maternos cuidados.

Os brinquedos infantis,
Vem comnosco partilhar;
Se choramos, vens de prompto,
Nosso pranto enchugar...

Crescemos. Novas paixões,
Vem nosso peito agitar...
E a ti, nobre amisade,
Chegamos-te a olvidar...

Ficamos então sem ti,
Vivendo só d'illusões;
Com a mente alucinada
Por delirantes paixões!..

Quando da traição o fél
Se entorna no coração...
Vamos de novo em teu seio,
Verter prantos d'afflicção.

E tu, anjo, nos acolhes
Com o teu meigo sorrir!
O nosso pranto enchugas,
Em vez de nos repellir!!

Com tuas fallas tão meigas,
Tão cheias de compaixão;
Arrancas sempre os espinhos
Cravados no coração!..

Veiga ― 20 de junho de 1860.

D. Ephigenia do Carvalhal Souza Telles.

 
 
Chronica

Quinta feira santa!... Os rôlos vaporosos do incenso, que se desdobram em spiraes, as ondas sonoras que o orgão chove sobre nós, os canticos harmoniosos dos levitas, os reflexos pallidos dos cyrios, são impressões que a nossa alma recebe, aberta, como a flôr, que a desabotoára, quando o sol tingia de vermelho os cómoros d'além. Jesus Christo falla e os apostolos curvam-se para ouvir-lhe a homilia...

Nunca o pae falla sem que os filhos inclinem a cerviz com respeito e amor... Que banquete tão opulento de sua simplicidade! Doze convivas, apenas! ― Comei este pão, meus filhos, disse Jesus. ― Accipite et comedite, hoc est corpus meum ― Tomai este calix, esgotai-o, hauri-o ― Hic est enim sanguis meus. D'aqui a instituição da Eucharestia. Da Eucharistia, que é o Jordão onde se purificam nossas almas. Da Eucharistia, que é o precioso majar commungado no banquete da religião.. E' entre canticos e aromas e sons e crenças, que a egreja celebra n'este dia o anniversario da cêa da paschoa...

Sexta-feira santa! Jesus pende da cruz no cimo do Golgota! Os labios gelados pelo sopro glacial da morte descerram-se ainda, e dizem: Eli! Eli! lamah sabacthani! ― Meu Deus! Meu Deus! porque me desamparaste! Oh! quem se não curva ante a cruz?! A cruz não é já a forca ignominosa dos escravos. A cruz é o symbolo da emancipação da humanidade, porque pende d'ella o cadaver do filho de Deus! A cruz ― o emblema da divindade ― está acima das mundanas realesas, porque ella orna a corôa doirada dos monarchas... A cruz, falla-nos de Deus á beira dos caminhos, nos corucheos das ermidas, nos campanarios dos templos, na valla do cemiterio. Nos tempos remotos dos idolos pagans, das falsas doutrinas, das crenças impuras, a cruz, ainda que sumida na obscuridade, era já a nuncia d'uma nova religião. A cruz apparecia, então,