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A esperança

 

vos e se prepara a confraternisação social, a inexpugnavel barreira que instantaneamente nos separa de tudo quanto havemos de mais caro na existencia.

Parti; e num momento achei-me separado dos entes que mais amava no mundo, e esses logares que me escutavam nos brinquedos infantis, os lares paternos, a escóla, os condiscipulos, os mestres, montes, valles, planicies que me ouvira as primeiras estrophes de poeta, illusões, recordações, amores, tudo se esvaecera n'esse instante a meus olhos para só deixar ao coração abandonado a pungente reminiscencia d'um passado que não volta.

As aldeias e povoações do meu querido Minho desappareciam-me na passagem para darem logar a outras povoações e aldeias maiores, mais opulentas talvez, mas que conservavam o aspecto sombrio e monotono de menos rica vegetação e de um inculto e arido terreno.

Ao cabo d'algumas horas já eu estava a grande distancia da minha terra. Mergulhava-se o astro do dia por traz d'uma longinqua cordilheira de montanhas desenhando no horsonte diaphana cinta de pallido e açafroado colorido. Fixei esse horisonte; as côres que o retingiam não eram as do sol poente da minha terra, e a luz do astro que se sorria projectava-se-me como clarão de cirios funerarios!

Senti confranger-se-me o peito, partir-se-me o coração. Copioso pranto me inundou as faces: recordei-me das ultimas palavras de meu pae ― espera e soffre....

Foi desde então que comecei a venerar a lagrima.

Esperei e soffri.

Tenho estudado o mundo; não no hei comprehendido, nem elle a mim.

Hoje, ao revolver por entre as ruinas do passado algumas reminiscencias do que fui, depois de haver comparado os gosos dos meus primeiros dias com os innumeros soffrimentos que me entenebrecem o presente, interrogo-me a mim mesmo ― o que faço eu aqui?

Espero e soffro....

Então era a alma alimentada pelas illusões e delicioso devaneiar da juventude, agora.... não sei o que sou....

Mas já algum critico ahi estará resmonteando com o entono tão proprio de similhantes entidades ― «que necessidade tem o mundo de comprehender as egoistas sensações d'uma personalidade que se somo como arêa no grande oceano social?»

Como se a historia negra do eu subjectivo não fosse a negra historia da humanidade que soffre!...

E.P.A

 
 
Os destinos da poesia contemporanea
 
 

A poesia egoista transmuda-se na poesia essencialmente liberal e sympathica. E' a larva que se torna em borboleta. Byron declina e some-se nas trevas do scepticismo que elle proprio creára, e Lamartine, esse genio melancolicamente suave como o astro das noites, surge, espargindo em derredor de si um clarão vivificante que desentorpece as imaginações dormentes e arrefecidas, filtrando nas almas os generosos sentimentos do amor, da religião e do trabalho.

O operario, curvado dias inteiros sobre a incude, indifferente á dôr como á alegria, desbaratando nas tavernas o santo obolo do trabalho, ouve em distancia aquella voz desconhecida e diz: ― «é musica!» ― detem-se a escutal-a e depois, quando ella se cala, olha para si e vê-se nu como Adão. Então conhece que pensa, sente que chora e comprehende a necessidade que tem d'um amor, d'uma familia com quem reparta a melhor parte da sua alma e o pão colhido na productiva ceara do trabalho e amassado com o suor que lhe distilla da fronte e lhe fórma um como diadema de perolas.

Eil-o que sai de casa entoando alegremen-