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A esperança
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te a Marselheza da Paz e entra na officina cantando; duplicam-se-lhe as forças quando se lembra que o esperam para sorrir, uma esposa, um filho, uma irmã: já não vai entregar-se á embriaguez para esquecer: o que póde economisar é destinado á compra d'um livro, d'um livro de Lamartine que o console na adversidade, que lhe doure a imaginação com o ouro sem liga das boas idéas, que lhe diga que elle occupa um logar distincto na sociedade e que tem a cumprir na vida um nobre fim.

E' por isso q e Lamartine é o poeta mais popular da Europa.

Victor Hugo, o astro-rei da França, levanta-se e innunda-a com o esplendor dos seus raios. Ergue a sua voz de stentor e atira aos quatro ventos do espaço aquellas estrophes que enthusiasmam e arrastam comsigo todas as imaginações.

Lamartine era a lympha fugitiva que se escoava entre salgueiraes reflectindo a saphira transparente dos ceus ou as estrellas da noite. Se algumas vezes um vento passageiro lhe enrugava a face, logo recuperava a sua habitual limpidez e transparencia. Victor Hugo é o Mississipi, arrebatando tudo quanto se antepõe á sua impetuosa passage e retratando a luz profunda e rubra dos crepusculos. Quem o ouve estremece como se o tocára uma corrente magnetica.

Falla, o mundo presta o ouvido e absorve-se em cogitações. Canta, o homem sente estremecerem-lhe as fibras e repassar-lhe o corpo uma como columna de fogo.

Novo Orpheu, arrebata e leva para onde quer aos sons da sua lyra o mundo inteiro, que em vão tenta resistir áquella fascinação.

A mocidade despera. E' que ella entedeu-o e quer imital-o. E' que ella comprehendeu o fim a que se propõe a poesia de Victor Hugo.

Enthusiasticamente progressista, ella fecunda e prepara o terreno que deve produzir novos e saborosos fructos.

Solidamente democrata, o povo entende-a tambem e segue á risca o caminho que ella lhe aponta, esperando resignadamente o seu logar na meza do progresso.

Santamente philosophica inocula em todos os que a prezam, a idéa do infinito e da immortalidade da natureza. Ella lança a primeira pedra no grande edificio do futuro e convida para a ajudarem na grande obra todos os braços, todos os corações, todas as almas.

Em Portugal sentem-se já os seus effeitos.

A mocidade portugueza inflora as suas horas d'ocio com o poetar d'uma nova maneira e por uma nova fórma.

Não é imitação servil, é a creacão similhante; é a idéa nova tambem, mas que tende aos mesmos fins: ao amor, ao trabalho, ao progresso á civilisação.

(Continua.)

 
 

Horrida sombra me segue!
Sombra de perseguição;
Quer commigo repartir
Eterna condemnação!..

Vai, ó reproba, cumprir
N'esse inferno a maldição
Que te deitou, moribundo,
Um misero n'afflição!..