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A esperança
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Eia pois, eu quero um canto
Todo meiguice e ternura,
Que possa voar ás folhas
Do Album da virgem pura.

Quero que seja mavioso.
Qual harmonia do céu;
Modesto como a violeta
Que se esconde em verde veu.

Tão meigo como o trinar
Do mimoso rouxinol
Quando vem cantar saudades
A' hora do pôr do sol

Tão suave como a brisa
Por uma noite de v'rão;
Tão singello e verdadeiro
Como é.... meu coração.

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Dedilhei nas fracas cordas,
Ficou muda a malfadada!
Em vez de canto só tenho
Uma esp'rança desfolhada.

Veiga ― Janeiro ― 1865.

D. Ephigenia do Carvalhal Souza Telles.

 
 
Sou triste
 

 

Sou triste como os raios descorados
Da lua, nas vidraças d'uma igreja!
Sou triste como aragem vespertina
Que entre os despidos olmos rumoreja!

Sou triste como as selvas solitarias!
Sou triste como a voz d'um sino, á tarde,
Quando o mar, como um lago de escarlate
Recebe em si o sol que já não arde!

Sou triste como as folhas desprendidas
Pelo outono do pallido arvoredo;
Sou triste como a rôla, que descanta
Na solidão do bosque, à noite e a medo!

Sou triste como a cruz que dá aos mortos
A amiga sombra, em ermo cemiterio;
Sou triste como os ais de flauta ao longe,
Saudosa a suspirar doce mysterio!

Sou triste como a onda, ás horas mortas,
A estender-se em espuma pela praia!
Sou triste como as torres de um mosteiro!
Sou triste como o sol quando desmaia!

Sou triste, e só depois que te ha perdido
Meu olhar, só depois que tu partiste
Solta no espaço a procurar as côres
Que se embalam no céu, é que sou triste!

Dezembro ― 28.

Dias d'Oliveira.

 
 
O amor recompensado

Não é só nas cidades, nos grandes salões do baile, onde as vistas se cruzam, incendidas na chamma de Cupido; onde os corações cheios de fogo parece quererem saltar para fóra do seu ambito, anhelantes de maior espaço; onde a imaginação se libra alterosa nas azas da poesia; onde o riso e as graças volteam deslumbrantes por rostos formosissimos, por collos de alabastro, por frontes radiantes d'uma aureola virginal; ― não é só nas cidades, digo, que o amor se sente