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A esperança


 

sua mãe!... E ella havia de saber mais do que diz; e agora deve ter a certeza de achar algures a riqueza... Tinha usado o que nos deixou, comprará coisas novas.

― Juro-lhe que se engana. Vamos recolher-nos a casa d'uma pobre e honrada viuva; e assim como hoje não jantamos senão dois biscoutos, ámanhã não jantaremos senão meia duzia d'elles, que metti no bolso. E' a unica coisa que tirei de casa. Depois ganharemos o pão com o trabalho de nossas mãos.

Custodio da Cunha deu uma volta pela sala e aproximou-se d'outro sugeito, que chegava á porta de vez em quando e escutava o dialogo.

― Senhor Amaral, disse Custodio da Cunha encarando n'elle, esta menina acusa-nos de crueldade... Que lhe parece?...

― Eu, senhor?!... exclamou a donzella. Em que acuso v.as exc.as?!...

― Diz-me na cara que tirou só meia duzia de biscoutos! Quem a estorvou de tirar mais? Diga!...

― Ninguem, snr. Mas eu tive só em vista o primeiro momento; e a lembraça de minha mãe é que me obrigou a apoderar-me d'esses mesmos.

― Pois apoderasse-se de todos. O que nós queriamos era o dinheiro.

― O dinheiro que tinhamos ficou nas gavetas.

― Grande coisa lá se achou!.. Ficamos ricos.

― Senhor, se me dá licença volto para minha mãe, que se affligirá se acordar e me não vir. Perdôe-nos, e acredite que não tiramos nada de casa.

― Já lhe disse, e repito, não me queixo da menina, que me parece innocente n'esta tratantada; os ladrões foram....

― Pelo amor de Deus!... Se lhe parece que não tenho culpa, não me insulte mais! Não me envergonhe, pela boa sorte de seus filhos!.. Que elles nunca soffram metade das torturas que hoje tenho soffrido. Ouvir ralhar de nossos paes e não podermos defendel-os senão com lagrimas!... Conhece o snr. martirio egual a este?! Antes queria ser esbofeteada.... calcada aos pés... vilipendiada na minha individualidade, do que ser despresada nas pessoas d'aquelles que me deram o ser.

E as lagrimas corriam pelas faces da infeliz menina: não pe mais tempo retel-as.

― Perdôe... disse com voz breve Custodio da Cunha, mas quem tem culpa d'isso? Queria que louvassemos o procedimento de quem nos roubou?

― Pedia a mercê sómente de serem poupados meus ouvidos... e a licença de me retirar.

― Eu não a chamei, nem a detenho.

Ella curvou-se diante do credor enraivado, antes de se retirar; elle deitou a mão ao chapeu e ficou murmurando:

― Estou agora persuadido que esta infeliz não sabe d'um real subtrahido. O tratante do pae pôz-se ao fresco com a caixa militar. Está a tocar berimbau, e deixou a mulher, filha e credores a vêr navios.


 
 
Uma esperança desfolhada
No album d'uma minha amiga
 

 

Vou pegar na minha lyra,
Ha tanto tempo olvidada;
Quer vêr se ainda solta
Algum som, a malfadada...

Minha lyra, eu quero um hymno
Dos que sabias cantar
Quando um meu sorriso vinha
Tuas cordas afinar.