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A esperança

 

passo. Mas depois espraia-se defronte d'uma cidade, arrogante por lhe ouvir o hymno da gloria, junctando-se á voz do trabalho.

Não vêdes procurar no fundo do alveo o ouro das suas areas. Tendes ouro de mais fino toque que sobrenada.

Que vêdes?.. Ainda as mesmas montanhas d'um e d'outro lado, mais arrogantes, mais proximas do ceu; umas escalvadas, outras, cheias de verdura; estas, representando o poder luxuriante da naturesa, n'aquellas gravada à face da liberdade, armada a tenda pezada d'uma cidade livre.

Uma cidade livre!.. talvez vos engane o primeiro aspecto. Entrai dentro de seus muros, e observai o que lá virdes.

Inda existe, é verdade, uma columna fragil do tempo da preponderancia feudal, que o grito das revoluções não fez cahir, para um dia insultar.

Mas o Porto é muito livre, para ver com bons olhos, dentro das suas muralhas, um monumento das épocas do despotismo, e da retrogradação moral. E' por isso que teve a lembrança de erigir, diante d'elle, outro monumento mais forte, que o supplantasse, mais brilhante, que o obscurecesse, mais pezado, que o anniquillasse.

Sublime grupo, que só a intelligencia dos filhos da cidade da Virgem podia comprehender! Na sombra, vê-se desenhado, com as tintas melancholicas do passado, o epithaphio sem nome das gerações irresolutas, ao passo que ao clarão do sol, se descobre, no portico, que leva ao templo das artes e do amôr do trabalho, a inscripção augusta que convida, sem discriminar gerarchias,todas as pessoas a irem tomar parte no banquete da intelligencia e do progresso.

E' por este lado moral, que hoje louvamos a ideia de tal monumento, e ainda mais a sua execução, levada tão felizmente a cabo.

Ri-se alguem de lhe chamarem Palacio de Chrystal, sendo esta a materia, que menos entra na sua composição. Eu não quero tirar a rasão aos que se riem. Chamem-lhe o que quizerem. Eu só direi, por ultimo, que elle é filho do progresso, e nasceu em pleno seculo XIX.

Porto 30 d'abril de 1865.

Peregrino.

«E'sta vida de saudade,
«De pranto e amargura,
Em breve s'extinguirá
Entre o pó da sepultura!..

Matizar de novo os prados,
Ah! talvez jamais verei
E das folhas ao pender,
No sepulchro cahirei!

O coração já não póde
Soffrer a triste saudade
E breve virão as horas
Solemnes da eternidade!...

E na minha pobre campa,
Nenhum mortal chorará,
Onde jaz uma infeliz,
Ao meu amor quem dirá!..