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Página:A Esperanca vol. 2 (1866).pdf/201

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A esperança
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A Casa Negra

 
Romance original de Ephigenia do Carvalhal
(De pag. 196)


N'este momento veio pôr termo á conversação das tres velhas, uma rapariga trajando com simplicidade, mas com certo luxo.

— Tenham muito boas tardes — disse a moça acercando'se d'ellas.

— Deus te dê as mesmas rapariga; isto é nobidade por aqui!

— Não achas?

— Pois olha que já ha um par de dias que te não puz os olhos em cima, — accrescentou a snr.a Brizida — nem no domingo na egreja; não ouviste missa rapariga?

— Não senhora, porque me foi preciso ficar em casa com a snr.a D. Vicentina.

— Então tua ama não está melhor?

— Alguma coisa, mas não de todo.

— A snr.a Fidalga debe estar muito morificada com a molestia da filha a quem tanto quer.

— Não fazem vm.ces ideia; ha perto d'um mez que lhe não visitava os labios um sorriso, mas hoje vi-a rir-se deveras.

— E porque? — procurou com curiosidade a snr.a Antonia.

— E' porque o seu Joaquim, snr.a Margarida, foi-lhe contar uma historia muito curiosa d'uns homens que vira sumirem-se debaixo da terra, no bosque que circunda a casa negra!!

— E tua ama ria-se d'isso? — perguntou admirada a snr.a Margarida.

— Ria, sim, e a bom rir, e eu fiz-lhe companhia. O' snr.a Margarida, o seu Joaquim quantos quartilhos tinha bebido n'esse dia? — E a moça soltou uma risada.

— Quaes quartilhos nem meios quartilhos! — respondeu a velha com azedume — tu é que me parece que vaes a estar uma herege!

Malfadada foi a hora em que tua mãe te deixou ir para essa casa aonde perdeste a religião.

— Por fim hade-te acontecer como á alambicada da filha do snr. Anselmo, que Deus tem; tambem se ria de tudo o que é sagrado, e por fim pregou-a ao pai na menina do olho.

— Não me compare com essa infeliz, senhora Antonia; ella perdeu-se, e matou o pai, porque uma má tentação a venceu; era formosa e rica, por isso foi cobiçada; mas nem ella, nem eu, nos rimos das coisas sagradas.

— Dizem a mim que não.... Olha, uma noite, e era noite de S. João, por signal, estava eu em casa d'ella, n'essa excommungada casa negra, e eu fallei em ir apanhar berbena, e alfasema pelo orvalho, duas ervas que apanhadas n'esta noite, servem para se adivinhar qualquer coisa que a gente queira saber, e Deolinda ria-se a bandeiras despregadas, e chamou-me imprismeira! Outra bez estabamos a fallar em bruxas e espritos e ella mandou-nos callar, e disse que aquillo era tudo uma patranha, uma impestura!!!

— E tinha rasão — accrescentou a rapariga — as minhas amas tambem não consentem que fallem n'isso diante d'ellas, e despersuadem as pessoas que acreditam n'essas coisas.

— Ora diz-lhe que me despersuadam a mim — disse a snr.a Brisida em ar de desafio.

— Ou a mim.

— Ou a mim, tambem — disseram em coro as tres velhas.

— Persuadia, persuadia; a senhora convence com taes rasões que é impossivel resistir-lhe.

— Olhem, eu quando para lá fui, tambem acreditava em bruxas e espiritos.....

Segundo anno — 1866
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