— E agora não acreditas?
— Não, senhoras.
— Cala-te rapariga, que nem te posso oubir tal. Anjo bento que tal tu estás já!!!
— Se tu bices o que eu bi uma noite.... ai Credo, ainda me não posso lembrar de tal — E a snr.a Brisida benzeu-se, as outras velhas abriram desmesuradamente os olhos, e a rapariga sorriu.
— O que bio snr.a Brigida? — procurou Margarida.
— Oh! filhas, Deus bos libre de ber tal!...
Era uma noite negra, negra como um carbão e eu bi ao redor da egreja uma longa procissão de phantasmas, todas vestidas de branco, e com bellas accesas na mão, e resavam e gemiam, e choravam que se partia mesmo o coração de quem os oubia.
— E vm.ce oubiu-as, senhora Brigida?
— Oubi, oubi, com este, e com este — disse a belha, apontando para os ouvidos; depois accrescentou: — Que diria tua ama se eu lhe contasse isto, Jabel?
— O que ella diria não o sei, mas eu pela minha parte digo-lhe que isso era brincadeira dos rapazes da aldeia, ou penitencia que alguem andava a cumprir.
— E's uma tola, nem era uma nem oitra coisa, — eram espritos que andavam ás procissões que n'este mundo deixaram de acompanhar.
— Bem faço eu que as tenho andado todas, para cá não bir depois.
— E eu.
— E eu.
A rapariga sorriu-se.
— Riste, grandecissima tola? — procurou a snr.a Brizida — Pois eu te conto oitra que eu bi.
Quando o meu home, que Deus haja, era pastor, eu ia levar-lhe a ceia; uma occasião elle andaba longe com o redil, andaba no balle do rio-pardo, e eu quando binha para casa passei n'aquella encruzilhada que bós sabeis, e bi um rebanho de patas a sapatiarem, e a grosnarem... Arrepiaram-se-me os cabellos, e desbiei-me do caminho; mas de repente, as bruxas deixaram de dançar, lebantaram bôo, passaram junto de mim, e era tal o bento que faziam que me ergeu do chão como se posse um polborinho, e levaram-me... eu sei lá para onde! o que sei é que ao outro dia amanheci no balle do rio pardo, mesmo ao pé do redil onde estaba o nosso gado, e tão cheia de pisaduras, e tão moida estaba como se me batessem com um sacco de areia com doze bintens dentro.
— E que dizes a isto Jabel? — procuraram as attentas ouvintes da snr.a Brizida.
— Eu o que digo — respondeu a rapariga — é que a snr.a Brizida adormeceu no val do rio pardo e sonhou que se tinha vindo para casa, e que vira patas ou bruxas.
— Qual sonho nem qual carapuça; eu estaba acordada como agora estou.
— E tambem dormirá toda essa gente que bê os phantasmas na casa negra? — procurou a snr.a Antonia.
— Quaes phantasmas? isso é gente viva, não são espiritos.
— Quantas pessoas habitam a casa negra, Jabel?
— Um homem só, ouvi dizer, snr.a Brizida.
— Porque é então que o Joquim bio perto d'ella dois homes desconhecidos, e que se sumiram pela terra abaixo? E porque rasão a tia Entonha bio honte á noite um phantasma na jinella a botar lume pelos olhos, nariz, e boca; e oubio dentro um barulho tal que parecia que todos os tinhosos do inferno, andavam a dançar alguma walsa infernal?