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Página:A Esperanca vol. 2 (1866).pdf/209

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A esperança
209

 
Necrologio

Porto, 15 de novembro de 1866

Portuguezes! falleceu um homem notavel o rei desthronado, o martyr da convenção d'Evora-Monte. O snr. D. Miguel de Bragança deixou d'existir!

Esqueçamos por um momento, essa epocha odiosa do absolutismo tyramno, esqueçamos por um momento, um anno de inauditas barbaridades, escudadas por um atroz jugo de ferro. Além da campa não ha odios partidarios; perante a morte, não ha inimisades duradouras, para com os finados, ha apenas a recordação de que foram homens, e que são nossos irmãos.

Eu não venho prantear o actual finado. A minha idade é muito pequena para tanto. Conheço que esse homem ia de encontro ás mais santas ideias, que acareciam o bem estar da sociedade, — a liberdade e a independencia! — Abraço as ideias de meus avós, porque vejo n'ellas retractado o mais sublime condão do Creador; mas não posso deixar ao menos por um momento de ajoelhar ante o tumulo do irmão do grande Rei-Soldado e exclamar: — «Morreu| Findaram os odios e anathemas entre os portuguezes. Constitucionaes e realistas abraçam-se hoje em solemne fraternidade, e esquecendo o tempo passado, corre pressurosos a lançar ao menos uma lagrima de saudade na campa do rei exilado e dirigir ao Todo Poderoso uma singela prece por sua alma.»

Sim, portuguezes! O snr. D. Miguel de Bragança foi vosso compatriota, e thio do nosso illustrado monarcha o snr. D. Luiz I. Orae por elle ao Altissimo. Pedi-lhe que lhe perdoe os desvarios que como homem commetteu e prestareis assim um ultimo preito áquelle que vem enluctar o sceptro portuguez.

Antonio Peixoto do Amaral.


 
A Casa Negra

Romance original de Ephigenia do Carvalhal
 
(De pag. 203)
 

O moço cavalheiro ao ouvir o grito da rapariga, adiantou-se, e saudou as quatro mulheres.

— Já foi a casa, senhor Antoninho?

— Ainda não, Isabel; ia agora de caminho, quando, passando alli defronte, me pareceu ouvir-te fallar, parei para me certificar, e ouvi pronunciar o nome da senhora D. Vicentina, prestei attenção e ouvi...

— Ah! ouviu, meu senhor? procurou a senhora Brizida. — Ora diga-me, qual é a sua opinão a respeito do habitante da casa negra?

— Não sei o que vocêmece quer dizer.

— Quero dizer, meu senhor, se v. s.a acredita que essa casa amaldiçoada é habitada por bibos?

— Ainda outra vez a casa negra! — disse o mancebo sorrindo — já um camponez que encontrei no bosque aonde andava á caça, me contou cousas do arco da velha, d'essa casa e do seu habitante!!

— Pois olhe que lhe não disseram nada de mais.

— Bem de menos — accrescentou maliciosamente a moça.

— Cala-te tonta, não sabes o que dizes; deixa-me contar a este senhor o que bi hontem á noite.

E a senhora Antonia repetiu novamente a apparição do phantasma que deitava lume pelos olhos, nariz e bocca.

— Com effeito, isso é horrivel, horrivelissimo, minha santinha! Vocêmece está bem certa de ver isso? — procurou o mancebo, a quem um sorriso de incredulidade entre-abria os labios.

— Se estou? boa pergunta, senhor!

Segundo Anno — 1866
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