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Página:A Esperanca vol. 2 (1866).pdf/210

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A esperança

 

— Pois é preciso procurar meios de afugentar as almas do outro mundo d'essa casa, e d'estes sitios.

E dizendo isto, o mancebo despediu-se das velhas, procurou a Isabel se não voltava para casa de seus amos n'essa noite>

— Só espero por meu irmão, que foi, segundo me disseram, fazer um magusto para a eira do senhor Vigario.

— Então até logo, Isabel.

O mancebo chamou por um perdigueiro que o seguia, e tomou o caminho da casa da fidalga, como lhe chamavam na aldeia.

Ao outro dia o primo de Vicentina dirigiu-se para a villa de ***, aonde foi sollicitar alguma tropa para, dizia elle, ir dar caça ás almas do outro mundo que tinham a sua habitação nos bosques que rodeiam a casa negra, e a aldeia do Nogueiral.

Depois de ter uma longa conferencia com o commandante, este mandou pôr á sua disposição um troço de soldados.

Foi seguido d'elles que no outro dia, quase ao anoitecer, chegou ao Nogueiral.

Espessas nuvens envolviam a terra. Era uma noite negra e fria como são quasi todas as do mez de novembro; a tropa seguida por uma grande multidão de camponezes, rodearam com a maior precaução a casa negra.

Ella estava muda como um sepulchro! Parecia que nem um ente vivo a habitava!...

Era talvez meia noite; hora fatidica: hora que as doendes, as vampiras, e as bruxas escolhem para fazerem os seus malificios!.. D'essa casa negra, até alli silenciosa, ouviu-se de repente um barulho infernal! As janellas abriram-se com fragor e luzes d'uma côr sinistra sahiram por ellas. E, (horror)! n'uma d'essas janellas estava essa visão que tanto atemorisou a senhora Antonia do quintal!!

E aquillo era uma realidade que viam centenares d'olhos, não era uma ficção de velha estonteada pelo medo. Todos viram essa cara disforme que vomitava lume d'uma côr azulada, e que immovel parecia contemplar a terra.

Todos ouviram esses gemidos que sahiam de ao pé do phantasma, e esses gritos, essas risadas que pareciam responder a elles.

Os aldeões benzeram-se, e foram-se desviando. Acharam mais prudente não arrastar assim as iras d'esses demonios que, no entender d'elles, celebravam alli uma das suas bacanaes.

Todas, excepto um, ao amanhecer, tinham trocado o bosque pelo confortavel calôr do lar domestico.

E esse um que ficou com a tropa era Antonio do curral, esse moço descrente que as velhas tanto tinham censurado.

Apenas amanheceu, a um signal do primo da Fidalga, os soldados envadiram a casa negra para indagarem do seu habitante as coisas sobre naturaes que tinham presenciado!

Mas..... — coisa admiravel — a casa estava deserta!!!

Foi inutil toda a busca que se deu á casa d'alto a baixo; o seu mysterioso habitante tinha desapparecido: e comtudo Antonio do curral jurava, punha as mãos nos Santos Evangelhos, em como esse homem ou demonio tinha entrado ao anoitecer para essa casa aonda agora não apparecia!

Antonio procurou, procurou com a paciencia que caracterisa a gente do povo, e por fim de tantas indagações descobrio, cheio de jubilio, que na parede d'uma das salas se abria uma porta falsa!

(Continúa)