Saltar para o conteúdo

Página:A Maravilhosa Vida de Santos=Dumont.pdf/69

Wikisource, a biblioteca livre

Compreender-se-á assim que manifesto grande surpresa quando vejo inventores que nunca puseram os pés numa barquinha, desenharem no papel e até executarem, no todo ou em parte, fantásticas aeronaves com balões cubando milhares de metros, carregados de enormes motores, que eles não conseguem levantar do chão e providos de máquinas tão complicadas que nada faz marchar. Os inventores desta classe nunca manifestam medo porque não fazem nenhuma idéia das dificuldades do problema.

Se houvessem começado por viajar nos ares ao sabor do vento, enfrentando as influencias hostis dos fenômenos atmosféricos, compreenderiam que um balão dirigível, para ser prático, requer antes de mais nada uma extrema simplicidade de mecanismo. Alguns infelizes construtores, que pagaram com a vida sua triste imprudência, nunca haviam efetuado uma subida em balão esférico como capitão e sob sua própria responsabilidade. A maior parte dos seus êmulos de hoje, tão devotados ás suas tarefas, encontra-se ainda nas mesmas condições de inexperiência. Assim se explicam para mim os seus insucessos. Estão na mesma situação de quem, sem haver jamais deixado a terra firme ou posto os pés num bote, pretendesse construir e comandar um transatlântico.”

“Entendo muito bem o que diz” atesta Soriano “seria inadmissível um construtor de autos esportivos valorizar o design sem considerar a segurança e a aerodinâmica que se aprende dirigindo muitas e muitas vezes. Imagino que nada substitui a experiência de se elevar em um balão e viajar pelos céus, descer hoje na Bélgica e amanhã em algum outro exótico lugar.”

“O aeronauta transforma-se em explorador. Sois um jovem curioso de percorrer o mundo, conhecer aventuras, perscrutar o desconhecido, contar com o inesperado, mas retido em casa pela família e pelos negócios? Praticai o balão esférico. Ao meio dia, almoçai tranquilamente com os vossos. Às duas horas, parti em balão. Dez minutos mais tarde não sereis mais um cidadão vulgar, sim um explorador, um aventureiro da ciência, tal como os que vão gelar nos “icebergs” da Groenlândia ou fundir de calor nos rios de coral da índia.

Não sabeis senão vagamente onde vos achais; não podeis saber onde ides, muito embora isto dependa por muito da vossa vontade, da vossa habilidade e da vossa experiência. Tendes a escolha da altitude: podeis aceitar uma corrente de ar ou ir atrás doutra. Podeis franquear as nuvens, atingir regiões em que se respira o oxigênio dos tubos, perder a visão da terra, que desaparece como que girando embaixo de vós, e então todo sentido do rumo vos escapa. Podereis descer de novo, acompanhar a superfície do solo, ajudado pelo “guide-rope” e por punhados de areia, para dar, sem esforço, saltos de gigante por cima das casas e das árvores.

Chegado o momento de aterrar, goza-se de indizível alegria em ir ter com homens estranhos, como um deus saído de uma máquina. Em que país se está? Em que língua, alemã, russa, norueguesa, obter-se-á resposta? Membros do Aéro Club foram alvejados com tiros de fuzil ao transporem certas fronteiras européias. Outros, detidos no momento de aterrissarem, e levados á presença de algum burgomestre ou governador militar, começaram por sofrer o susto de uma acusação de espionagem — enquanto o telégrafo avisava sua prisão á capital distante — para acabarem o dia bebendo champagne no entusiasmo de uma roda de oficiais! Outros, mesmo, em pequenos lugares perdidos, tiveram de se defender contra a ignorância e a superstição das populações rurais. Tal a fortuna dos ventos.”

“Mostra-se um aventureiro de espírito Alberto, e um elegante “sportsman” afirma Soriano “quero te apresentar um auto que seria você na versão de um potente carro”.

Santós se surpreende enquanto levanta-se de sua confortável poltrona e segue seu anfitrião até uma garagem próxima. Lá encontra um auto esportivo, com longo capô que escondia um possante motor. “Tenho certeza que se dirigir este carro se apaixonará, te conheço muito bem meu amigo, assim como conheço as maquinas que faço. Assim como um bom cavaleiro tem que se integrar espiritualmente com seu correspondente eqüino percebo que formarão uma bela dupla. Com ele poderá dar rumo as suas aventuras tal como fez com o seu balão Brasil.”

Entusiasmado com o carro Santós entra em um silencioso dilema, sabe que seu estado de saúde não lhe permitiria sentar-se ao volante e experimentar as maravilhosas aventuras que aquele auto poderia proporcionar. Apesar de ser um grande amigo de Soriano, eles também eram sócios.

61