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MONTEIRO LOBATO

A Rã, assim chamada por causa da sua magreza de menina de onze anos, era emilíssima, das que não concordam mesmo. Assim que leu a carta, deu dez pinotes e tratou de dividir o pó do saquinho em duas partes "bissolutamente" iguais. Por influência da Emília, ela andava usando a palavra "absolutamente" dita dessa maneira. Antes de reformar a Natureza, Emilia já havia feito várias reformas na língua.

— Que está fazendo aí, menina? — perguntou a mãe da Rã, ao vê-la dividindo o misterioso pó.

— Estou "bi" o que leva e traz para que leve e traga, — respondeu em linguagem da pitonisa de Delfos (na língua emiliana, "bi" queria dizer "dividir em dois").

A boa senhora, está claro que não entendeu coisa nenhuma, mas, como já estava acostumada às respostas enigmáticas da filha, deu um suspiro e foi cuidar de outra coisa.

A Rãzinha cheirou o pó, de acordo com as instruções da carta. Imediatamente seus olhos se fecharam e em seus ouvidos cantou o célebre fiunn! Instantes depois, sentiu-se largada no chão. Abriu os olhos: um terreiro! Só podia ser o terreiro do Sítio.

Mas não viu ninguém. A casa, fechada. No ar, só dois sons; um ronco que devia ser do Quindim na soneca do costume e um barulho de mastigação com jeito de ser de Rabicó.

Ainda sentada e tonta, a menina gritou: "Emília! Emilinha! Emiloca! . . ."



CAPÍTULO III

O PASSARINHO-NINHO



A RESPOSTA FOI UM "Aqui!" vindo do pomar. Correndo no rumo da voz, a menina encontrou Emília tão entretida com um passarinho que nem sequer a olhou. Estava afundando as costas dum tico-tico. Todos os passarinhos têm costas "convexas", isto é, arredondadas para cima. Emília estava fazendo um passarinho de costas "côncavas", isto é, com um afundamento redondo nas costas. A Rã ficou a olhar para aquilo sem entender coisa nenhuma, até que Emília explicou.