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A REFORMA DA NATUREZA
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— Concordo. Poderá ter um couro mais fino, assim como a camurça; mas de veludo, Rã, é demais. As vezes penso que você está sabotando a minha idéia de reforma da Natureza...


CAPÍTULO IV

REFORMA DA MOCHA



POR MUITO tempo ficaram as duas conversando sobre reformas e mais reformas e, como estivessem debaixo da jabuticabeira, iam falando e comendo as deliciosas frutas. Em certo momento Emília disse:

— Esta jabuticabeira, por exemplo. Não acha que é uma vergonha uma árvore deste tamanho dar frutinhas tão pequenas? E no entanto temos lá na horta um pé de abóbora que dá abóboras enormes e é um pé que nem é pé de coisa nenhuma — não passa dum talinho mole que se esborracha quando a gente pisa em cima. Vou mudar. Vou botar as jabuticabeiras no pé de abóbora e as abóboras nas jabuticabeiras.

— Mas isso foi o que o Américo Pisca-Pisca fez — alegou a Rà, — e o sonho lhe abriu os olhos.

— É que o bobo foi dormir debaixo da jabuticabeira — e sabe para quê? Para que a fábula ficasse bem arranjadinha. O fabulista era um grande medroso; queria fazer uma fábula que desse razão ao seu medo de mudar — e inventou essa história do sono do Américo debaixo da jabuticabeira. Já reformei essa fábula.

— Como?

— Fazendo que o Américo não dormisse debaixo de árvore nenhuma e o La Fontaine ficasse sem jeito de rematar a fábula. Deixei só um pedaço de fábula. Uma fábula inacabada, como aquela sinfonia famosa. E sem moralidade.

— Fábula sem moralidade é fábula imoral — disse a Rà. — É fábula rabicó — sem rabo. Não presta.

— Não presta o seu nariz — respondeu Emilia; e foi fazer reformas.

As abóboras ficaram muito sem jeito e desapontadas ao se verem penduradas nos galhos daquela árvore enorme, e as ja-