Página:A Relíquia.djvu/398

Wikisource, a biblioteca livre

Mas era sobretudo a certeza da gloriosa mudança que se fizera na minha fortuna domestica e na minha influencia social.

Até ahi, que fôra eu em casa da snr.ª D. Patrocinio? O menino Theodorico que, apesar da sua carta de Doutor e das suas barbas de Raposão, não podia mandar sellar a egoa para ir espontar o cabello á Baixa, sem implorar licença á titi... E agora? O nosso dr. Theodorico, que ganhára no contacto santo com os lugares do Evangelho uma auctoridade quasi pontifical! Que fôra eu até ahi, no Chiado, entre os meus concidadãos? O Raposito, que tinha um cavallo. E agora? O grande Raposo, que peregrinára poeticamente na Terra Santa, como Chateaubriand, e que pelas remotas estalagens em que pousára, pelas roliças Circassianas que beijocára, podia parolar com superioridade na Sociedade de Geographia ou em casa da Benta Bexigosa...

O Pingalho estacou as pilecas. Saltei, com o caixote da Reliquia estreitado ao coração... E, ao fundo do pateo triste, lageado de pedrinha, vi a snr.ª D. Patrocinio das Neves, vestida de sêdas negras, toucada de rendas negras, arreganhando no carão livido, sob os oculos defumados, as dentuças risonhas para mim!