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A REVISTA

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cessidade de conforto, que não lhe poderiam dar e sim o de occupar o tempo, movendo-se, fatigando-se, atordoando-se, para descançar de pensar.

Os amigos vieram recebel-o à frente da casa, onde elle desceu do animal.

— Que felicidade, compadre! exclamaram. Soubemos de tudo e custamos a acreditar...

E emquanto o levavam para a varanda, iam multiplicando suas interjeições piedosas e maldizendo do Aurelio, causa do desastre.

—E' assim, expandiu-se Marcilio, estou hoje limpo. Ha pouco, na estrada, encontrei o Anastacio, que se mostrou admirado por eu dizer-lhe que estava mais pobre do que elle. E estou. Elle tem o seu rancho, onde mora de emprestimo. o seu pedaço de terra, que cultiva a meias, como aggregado, as suas duas mãos que em pegar da enxada, emfim, sua vida está equilibrada no que tende de ser. E eu? Se valia alguma cousa, era pelo meu dinheiro. Habituado desde pequeno à abundancia, não aprendí nenhum officio, não exerci profissão alguma. E agora é tarde para começar... Estou quasi velho e sem fortuna, sem credito, sem amigos. Só vocês...

Os amigos protestaram contra suas palavras de desanimo.

— Compadre, disse dona Etelvina, a fazendeira, não é pela riqueza que uma pessoa vale. O senhor, para nós e para nossa familia, será sempre a mesma pessoa. A's vezes a sorte muda... Se nosso prestimo valesse alguma cousa...

— De certo, confirmou o Severo, depois de uma pausa, retomando o fio da phrase interrompida, Se valeste alguma coisa... Mas, infelizmente, nós tambem...

E queixou-se da sorte, lastimando-se dos maus tempos, das difficuldades da lavoura, dos filhos numerosos em idade de collocar...

— Meu compadre é abastado, meditou o coronel, mas não diz isto por mal. Não será pelo receio de que eu lhe peça dinheiro. E' que um descalabro destes, succedido a um amigo, nos enche de pessimismo pela nossa propria situação. Quando vemos morrer alguem é que nossa saude nos inspira maior cuidado...

E com seu desejo inquieto de agitar-se, aturdir-se, arrependia-se de ter ido ao sitio. Já poderia voltar, levando nos ouvidos o éco refrigerante das boas palavras de seus velhos amigos.

Levantou-se para despedir-se.

— Tão depressa, compadre! Ora essa! Quando mal começamos a conversar, exclamou o Severo, sem ao menos tomar nosso café. Vá arranjal-o, Etelvina...

E para o coronel:

— Não são os amigos que o deixam, é o senhor que os quer deixar...

O coronel sentou-se de novo, emquanto a fazendeira se internava para os fundos da casa.

E a prosa se arrastou ainda por algum tempo, entre longos silencios, no tom funerario das visitas de condolencias...

O compadre Severo repetia-lhe, para o animar:

(Cuntinúa no fim da revista)