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A CIDADE E AS SERRAS

calçavam luvas frescas cor de palha, cor de pérola, cor de lilás. Todelle relampejou rente de nós sobre uma grande bicicleta. Dornan, alastrado numa cadeira de ferro, sob um espinheiro em flor, mamava o seu imenso charuto, como perdido na busca de rimas sensuais e nédias. Adiante foi o Psicólogo, que nos não avistou, conversando com um requebro melancólico para dentro dum cupé que rescendia a alcova, e a que um cocheiro obeso imprimia dignidade e decência. E rolávamos ainda, quando o Duque de Marizac, a cavalo, ergueu a bengala, estacou a nossa vitória para perguntar a Jacinto se aparecia à noite nos «quadros vivos» dos Verghanes. O meu Príncipe rosnou um — «não, parto para o Sul...» — que mal lhe passou de entre os bigodes murchos... E Marizac lamentou — porque era uma festa estupenda. Quadros vivos da História Sagrada e da História Romana!... Madame Verghane, de Madalena, de braços nus, peitos nus, pernas nuas, limpando com os cabelos os pés do Cristo! — O Cristo, um latagão soberbo, parente dos Trèves, empregado no Ministério da Guerra, gemendo, derreado, sob uma cruz de papelão! Havia também Lucrécia na cama, e Tarquínio ao lado, de punhal, a puxar os lençóis! E depois ceia, em mesas soltas, todos nos seus trajes históricos. Ele já estava aparceirado com Madame de Malbe, que era Agripina! Quadro portentoso esse — Agripina morta, quando Nero a vem contemplar e lhe estuda as formas, admirando umas, desdenhando outras como imperfeitas. Mas, por polidez, ficara combinado que Nero admiraria sem reserva todas as formas de Madame

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