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A CIDADE E AS SERRAS

— e só acordei em Bordéus quando Grilo, zeloso, nos trouxe o nosso chocolate. Fora, uma chuva miudinha pingava molemente dum espesso céu de algodão sujo. Jacinto não se deitara, desconfiado da aspereza e da humidade dos lençóis. E, metido num roupão de flanela branco, com a face arrepiada e estremunhada, ensopando um bolo no chocolate, rosnava sombriamente:

— Este horror!... E agora com chuva!

Em Biarriz, ambos observámos com uma certeza indolente:

— É Biarriz. Depois Jacinto, que espreitava pela janela embaciada, reconheceu o lento caminhar pernalto, o nariz bicudo e triste, do Historiador Danjon. Era ele, o facundo homem, vestido de xadrezinho, ao lado duma dama roliça que levava pela trela uma cadelinha felpuda. Jacinto baixou a vidraça violentamente, berrou pelo Historiador, na ânsia de comunicar ainda, através dele, com a Cidade, com o 202!... Mas o comboio mergulhara na chuva e névoa.

Sobre a ponte do Bidassoa, antevendo o termo da vida fácil, os abrolhos da Incivilização, Jacinto suspirou com desalento:

— Agora adeus, começa a Espanha!...

Indignado, eu, que já saboreava o generoso ar da terra bendita, saltei para diante do meu Príncipe, e num saracoteio de tremendo salero, castanholando os dedos, entoei uma «petenera» condigna:

A la puerta de mi casa
Ay Soledad, Soleda...á...á...á.

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