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A CIDADE E AS SERRAS

para seu regalo sobre as duas fitas de aço, assobiando e gozando a beleza da terra e do céu.

O meu Príncipe alargava os braços, desolado:

— E nem uma camisa, nem uma escova, nem uma gota de água-de-colónia!... Entro em Portugal, imundo!

— Na Régua há uma demora, temos tempo de chamar o Grilo, reaver os nossos confortos... Olha para o rio!

Rolávamos na vertente duma serra, sobre penhascos que desabavam até largos socalcos cultivados de vinhedo. Em baixo, numa esplanada, branquejava uma casa nobre, de opulento repouso, com a capelinha muito caiada entre um laranjal maduro. Pelo rio, onde a água turva e tarda nem se quebrava contra as rochas, descia, com a vela cheia, um barco lento carregado de pipas. Para além, outros socalcos, dum verde pálido de reseda, com oliveiras apoucadas pela amplidão dos montes, subiam até outras penedias que se embebiam, todas brancas e assoalhadas, na fina abundância do azul. Jacinto acariciava os pêlos corredios do bigode:

— O Douro, hem?... É interessante, tem grandeza. Mas agora é que eu estou com uma fome, Zé Fernandes!

— Também eu! Destapámos o cesto de D. Esteban de onde surdiu um bodo grandioso, de presunto, anho, perdizes, outras viandas frias que o ouro de duas nobres garrafas de Amontilado, além de duas garrafas de Rioja, aqueciam com um calor de sol Andaluz. Durante o presunto, Jacinto lamentou contritamente o seu erro. Ter deixado Tormes, um solar histórico, assim abandonado

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