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A CIDADE E AS SERRAS

e vazio! Que delícia, por aquela manhã tão lustrosa e tépida, subir à serra, encontrar a sua casa bem apetrechada, bem civilizada... Para o animar, lembrei que com as obras do Silvério, tantos caixotes de Civilização remetidos de Paris, Tormes estaria confortável mesmo para Epicuro. Oh! mas Jacinto entendia um palácio perfeito, um 202 no deserto!... E, assim discorrendo, atacámos as perdizes. Eu desarrolhava uma garrafa de Amontilado — quando o comboio, muito sorrateiramente, penetrou numa estação. Era a Régua. E o meu Príncipe pousou logo a faca para chamar o Grilo, reclamar as malas que traziam o asseio dos nossos corpos.

— Espera, Jacinto! Temos muito tempo. O comboio pára aqui uma hora... Come com tranquilidade. Não escangalhemos este almocinho com arrumações de maletas... O Grilo não tarda a aparecer.

E corri mesmo a cortina, porque de fora um padre muito alto, com uma ponta de cigarro colada ao beiço, parara a espreitar indiscretamente o nosso festim. Mas quando acabámos as perdizes, e Jacinto confiadamente desembrulhava um queijo manchego, sem que Grilo ou Anatole comparecessem, eu, inquieto, corri à portinhola para apressar esses servos tardios... E nesse instante o comboio, largando, deslizou com o mesmo silêncio sorrateiro. Para o meu Príncipe foi um desgosto:

— Aí ficamos outra vez sem um pente, sem uma escova... E eu que queria mudar de camisa! Por culpa tua, Zé Fernandes!

— É espantoso!... Demora sempre uma eternidade.

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