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A CIDADE E AS SERRAS

grosso, guardado numa malga vidrada. E exclamava:

— Ando aí pelas terras desde o romper de alva! Pesquei já hoje quatro trutas magníficas... Lá em baixo, no Naves, um riachote que se atira pelo vale da Seranda... Temos logo ao jantar essas trutas!

Mas eu, ávido pela história daquela ressurreição:

— Então, não estiveste em Lisboa?... Eu telegrafei...

— Qual telégrafo! Qual Lisboa! Estive lá em cima, ao pé da fonte da Lira, à sombra duma grande árvore, sub tegmine não sei quê, a ler esse adorável Virgílio... E também a arranjar o meu palácio! Que te parece, Zé Fernandes? Em três semanas, tudo soalhado, envidraçado, caiado, encadeirado!... Trabalhou a freguesia inteira! Até eu pintei, com uma imensa brocha. Viste o comedouro?

— Não.

— Então vem admirar a beleza na simplicidade, bárbaro!

Era a mesma onde nós tanto exaltáramos o arroz com favas — mas muito esfregada, muito caiada, com um rodapé besuntado de azul estridente, onde logo adivinhei a obra do meu Príncipe. Uma toalha de linho de Guimarães cobria a mesa, com as franjas roçando o soalho. No fundo dos pratos de louça forte reluzia um gaio amarelo. Era o mesmo galo e a mesma louça em que na nossa casa, em Guiães, se servem os feijões aos cavadores...

Mas no pátio os cães latiram. E Jacinto correu

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