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A CIDADE E AS SERRAS

em todos idêntica, e todos a respiram, e todos se perdem nela como no mesmo nevoeiro... A mesmice — eis o horror das Cidades!

— Mas aqui! Olha para aquele castanheiro. Há três semanas que cada manhã o vejo, e sempre me parece outro... A sombra, o sol, o vento, as nuvens, a chuva, incessantemente lhe compõem uma expressão diversa e nova, sempre interessante. Nunca a sua frequentação me poderia fartar...

Eu murmurei:

— É pena que não converse!

O meu Príncipe recuou, com olhares chamejantes, de Apóstolo:

— Como que não converse ? Mas é justamente um conversador sublime! Está claro, não tem ditos, nem parola teorias, ore rotundo. Mas nunca eu passo junto dele que não me sugira um pensamento ou me não desvende uma verdade... Ainda hoje quando eu voltava de pescar as trutas... Parei : e logo ele me fez sentir como toda a sua vida de vegetal é isenta de trabalho, da ansiedade, do esforço que a vida humana impõe; não tem de se preocupar com o sustento, nem com o vestido, nem com o abrigo; filho querido de Deus, Deus o nutre, sem que ele se mova ou se inquiete... E é esta segurança que lhe dá tanta graça e tanta majestade. Pois não achas?

Eu sorria, concordava. Tudo isto era decerto rebuscado e especioso. Mas que importavam as requintadas metáforas, e essa metafísica mal madura, colhida à pressa nos ramos dum castanheiro? Sob toda aquela ideologia transparecia uma excelente realidade — a reconciliação do meu Príncipe com a Vida. Segura estava a sua Ressurreição

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