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A CIDADE E AS SERRAS

atento e sorrindo à beira dum regatinho palreiro, como se lhe escutasse a confidência...

Depois filosofava, sem descontinuar, com o entusiasmo dum convertido, ávido de converter:

— Como a inteligência aqui se liberta, hem? E como tudo é animado duma vida forte e profunda!... Dizes tu agora, Zé Fernandes, que não há aqui pensamento...

— Eu?! Eu não digo nada, Jacinto...

— Pois é uma maneira de reflectir muito estreita e muito grosseira...

— Ora essa! Mas eu...

— Não, não percebes. A vida não se limita a pensar, meu caro doutor...

— Que não sou!

— A vida é essencialmente Vontade e Movimento: e naquele pedaço de terra, plantado de milho, vai todo um mundo de impulsos, de forças que se revelam, e que atingem a sua expressão suprema, que é a Forma. Não, essa tua filosofia está ainda extremamente grosseira...

— Irra! mas eu não...

— E depois, menino, que inesgotável, que miraculosa diversidade de formas... E todas belas! Agarrava o meu pobre braço, exigia que eu reparasse com reverência. Na Natureza nunca eu descobriria um contorno feio ou repetido! Nunca duas folhas de hera, que, na verdura ou recorte, se assemelhassem! Na Cidade, pelo contrário, cada casa repete servilmente a outra casa; todas as faces reproduzem a mesma indiferença ou a mesma inquietação; as ideias têm todas o mesmo valor, o mesmo cunho, a mesma forma, como as libras; e até o que há mais pessoal e íntimo, a Ilusão, é

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