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A CIDADE E AS SERRAS

pela manhã, e de ter só uma escova para alisar o cabelo.

Considerei, cheio de recordações, o meu amigo:

— Tinhas umas nove.

— Nove? Tinha vinte! Talvez trinta! E era uma atrapalhação, não me bastavam!... Nunca em Paris andei bem penteado. Assim com os meus setenta mil volumes: eram tantos que nunca li nenhum. Assim com as minhas ocupações: tanto me sobrecarregavam, que nunca fui útil!


De tarde, depois da calma, fomos vaguear pelos caminhos coleantes daquela quinta rica, que, através de duas léguas, ondula por vale e monte. Não me encontrara mais com Jacinto em meio da Natureza, desde o remoto dia de entremez em que ele tanto sofrera no sociável e policiado bosque de Montmorency. Ah, mas agora, com que segurança e idílico amor ele se movia através dessa Natureza, de onde andara tantos anos desviado por teoria e por hábito! Já não receava a humidade mortal das relvas ; nem repelia como impertinente o roçar das ramagens; nem o silêncio dos altos o inquietava como um despovoamento do Universo. Era com delícias, com um consolado sentimento de estabilidade recuperada, que enterrava os grossos sapatos nas terras moles, como no seu elemento natural e paterno; sem razão, deixava os trilhos fáceis, para se embrenhar através de arbustos emaranhados, e receber na face a carícia das folhas tenras; sobre os outeiros, parava, imóvel, retendo os meus gestos e quase o meu hálito, para se embeber de silêncio e de paz ; e duas vezes o surpreendi

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