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A CIDADE E AS SERRAS

lhes atenua o desgracioso delito da Inércia. Se toda a meta é um monte de Dor, onde a alma vai esbarrar, para que marchar para a meta, através dos embaraços do mundo? E de resto todos os Líricos e Teóricos do Pessimismo, desde Salomão até o maligno Schopenhauer, lançam o seu cântico ou a sua doutrina para disfarçar a humilhação das suas misérias, subordinando-as todas a uma vasta lei de Vida, uma lei Cósmica, e ornando assim com a auréola de uma origem quase divina as suas miúdas desgraçazinhas de temperamento ou de Sorte. O bom Schopenhauer formula todo o seu schopenhauerismo, quando é um filósofo sem editor, e um professor sem discípulos; e sofre horrendamente de terrores e manias; e esconde o seu dinheiro debaixo do sobrado; e redige as suas contas em grego nos perpétuos lamentos da desconfiança; e vive nas adegas com o medo de incêndios; e viaja com um copo de lata na algibeira para não beber em vidro que beiços de leproso tivessem contaminado!... Então Schopenhauer é sombriamente Schopenhauerista. Mas apenas penetra na celebridade, e os seus miseráveis nervos se acalmam, e o cerca uma paz amável, não há então, em todo Francoforte, burguês mais optimista, de face mais jucunda, e gozando mais regradamente os bens da inteligência e da Vida!... E o outro, o Israelita, o muito pedantesco rei de Jerusalém! Quando descobre esse sublime Retórico que o mundo é Ilusão e Vaidade? Aos setenta e cinco anos, quando o Poder lhe escapa das mãos trémulas, e o seu serralho de trezentas concubinas se lhe torna ridiculamente supérfluo. Então rompem os pomposos queixumes!

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