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Página:A cidade e as serras (1912).djvu/206

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A CIDADE E AS SERRAS

Depois, com uma recordação, limpando o café do pêlo dos bigodes:

— Oh Jacinto, e quando nós andávamos por Paris com o Pessimismo às costas, a gemer que tudo era ilusão e dor?

O meu Príncipe, que o cabrito tornara ainda mais alegre, trilhava a grandes passadas o soalho, enrolando o cigarro:

— Oh! Que engenhosa besta, esse Schopenhauer! E a maior besta eu, que o sorvia, e que me desolava com sinceridade! E todavia, — continuava ele, remexendo a chávena — o Pessimismo é uma teoria bem consoladora para os que sofrem, porque desindividualiza o sofrimento, alarga-o até o tornar uma lei universal, a lei própria da Vida; portanto lhe tira o carácter pungente duma injustiça especial, cometida contra o sofredor por um Destino inimigo e faccioso! Realmente o nosso mal sobretudo nos amarga, quando contemplamos ou imaginamos o bem do nosso vizinho: — porque nos sentimos escolhidos e destacados para a infelicidade, podendo, como ele, ter nascido para a Fortuna. Quem se queixaria de ser coxo — se toda a humanidade coxeasse? E quais não seriam os urros, e a furiosa revolta do homem envolto na neve e friagem e borrasca dum Inverno especial, organizado nos Céus para o envolver a ele unicamente — enquanto em redor, toda a Humanidade se movesse na luminosa benignidade duma Primavera?

— Com efeito — murmurei eu — esse sujeito teria imensa razão para urrar...

— E depois — clamava ainda o meu amigo — o Pessimismo é excelente para os Inertes, porque

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