Página:A cidade e as serras (1912).djvu/221

Wikisource, a biblioteca livre
A CIDADE E AS SERRAS

Aquelas rochas, além, empecendo? Que se arrancassem! Um vale importuno dividia dois campos? Que se atulhasse! O Silvério suspirava, enxugando sobre a escura calva um suor quase de angústia. Pobre Silvério! Rijamente sacudido na doce pachorra da sua administração, calculando despesas que se afiguravam sobre-humanas à sua parcimónia serrana, forçado a arquejar, sem descanso, sob soalheiras de Junho, o desgraçado retomara na Serra o jeito que Jacinto deixara em Paris, — e era ele que corria pelas longas barbas tenebrosas os dedos desalentados... Enfim uma tarde desabafou comigo, a um canto da varanda, enquanto Jacinto, na livraria, escrevia a um seu amigo de Holanda, o conde Rylant, Mordomo-Mor da Corte, pedindo desenhos, e planos, e orçamentos duma queijeira perfeita.

— Pois, Sr. Fernandes, se toda esta grandeza vai por diante, sempre lhe digo que o Sr. D. Jacinto enterra aqui na serra dezenas de contos... Dezenas de contos!

E como eu aludia à fortuna do meu Príncipe, a quem todas essas obras tão vastas, que alterariam o antiquíssimo rosto da serra, não custavam mais que a outros o conserto dum socalco, — o bom Silvério atirou os longos braços para as coxas gordas, ainda mais desolado:

— Pois por isso mesmo, Sr. Fernandes! Se o Sr. D. Jacinto não tivesse a dinheirama, recuava. Assim, é zás zás, para diante; e eu não o censuro pela ideia. Lograsse eu a renda de S. Ex.a, que me atirava também a uma lavoura de capricho. Mas não aqui, Sr. Fernandes, nestas serranias, entre alcantis. Pois um senhor que possui aquela linda

213