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A CIDADE E AS SERRAS

Mas, infelizmente para a quietação do Silvério, Jacinto lançara raízes, e rijas, e amorosas raízes na sua rude serra. Era realmente como se o tivessem plantado de estaca naquele antiquíssimo chão, de onde brotara a sua raça, e o antiquíssimo húmus refluísse e o penetrasse todo, e o andasse transformando num Jacinto rural, quase vegetal, tão do chão, e preso ao chão, como as árvores que ele tanto amava.

E depois o que o prendia à serra era o ter nela encontrado o que na Cidade, apesar da sua sociabilidade, não encontrara nunca, — dias tão cheios, tão deliciosamente ocupados, dum tão saboroso interesse, que sempre penetrava neles, como numa festa ou numa glória.

Logo de manhã, às seis horas, eu, no meu quarto, mexendo ainda regaladamente o meu corpo nos colchões de fresco folhelho, sentia os seus rijos sapatões pelo corredor, e o seu cantarolar, desafinado, mas ditoso como o dum melro. Em poucos instantes escancarava com fragor a minha porta, já de chapéu desabado, já de bengalão de cerejeira, disposto com reservado fervor para os trilhos conhecidos da serra. E era sempre a mesma nova, quase orgulhosa:

— Dormi hoje deliciosamente, Zé Fernandes Tão bem, com uma tal serenidade, que começo a acreditar que sou um justo! Um dia lindo! Quando abri a janela, às cinco horas, quase grite de puro gosto!

Na sua pressa, nem me deixava demorar na frescura da banheira; e quando eu repetia a risca mal começada do cabelo, aquele antigo homem das trinta e nove escovas, protestava contra esse

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