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A CIDADE E AS SERRAS

desbarato efeminado dum tempo devido aos fortes gozos da terra.

Mas quando, depois de acariciar os rafeiros no pátio, desembocávamos da alameda de plátanos, e diante de nós se dividiam matutinamente, mais brancos entre o verde matutino, os caminhos coleantes da quinta, toda a sua pressa findava, e penetrava na Natureza, com a reverente lentidão de quem penetra num Templo. E repetidamente sustentava ser «contrário à Estética, à Filosofia e à Religião, andar depressa através dos campos». De resto, com aquela subtil sensibilidade bucólica que nele se desenvolvera, e incessantemente se afinava, qualquer breve beleza, do ar ou da terra, lhe bastava para um longo encanto. Ditosamente poderia ele entreter toda uma manhã, caminhar por entre um pinheiral, de tronco a tronco, calado, embebido no silêncio, na frescura, no resinoso aroma, empurrando com o pé as agulhas e as pinhas secas. Qualquer água corrente o retinha, enternecido naquela serviçal actividade, que se apressa, cantando, para o torrão que tem sede, e nele se some, e se perde. E recordo ainda quando me reteve meio domingo, depois da Missa, no cabeço, junto a um velho curral desmantelado, sob uma grande árvore, — só porque em torno havia quietação, doce aragem, um fino piar de ave na ramaria, um murmúrio de regato entre as canas verdes, e por sobre a sebe, ao lado, um perfume, muito fino e muito fresco, de flores escondidas.

Depois, quando eu, velho familiar das serras, me não abandonava aos mesmos êxtases que a ele lhe enchiam a alma ainda noviça — o meu

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