que o desligara das ligaduras amortalhadoras do tédio, e lhe gritara o seu belo Ambula, caminha! — também certamente lhe gritara et lege, e lê. E libertado enfim do invólucro sufocante da sua Biblioteca imensa, o meu ditoso amigo compreendia enfim a incomparável delícia de ler um livro. Quando eu correra a Tormes, (depois das revelações do Severo na venda do Torto), ele findava o D. Quixote, e ainda eu lhe escutara as derradeiras risadas com as coisas deliciosas, e decerto profundas, que o gordo Sancho lhe murmurava, escarranchado no seu burro. Mas agora o meu Príncipe mergulhara na Odisseia, — e todo ele vivia no espanto e no deslumbramento de assim ter encontrado no meio do caminho da sua vida, o velho errante, o velho Homero!
— Oh Zé Fernandes, como sucedeu que eu chegasse a esta idade sem ter lido Homero?...
— Outras leituras, mais urgentes... o Fígaro, George Ohnet...
— Tu leste a Ilíada?
— Menino, sinceramente me gabo de nunca ter lido a Ilíada.
Os olhos do meu Príncipe fuzilavam.
— Tu sabes o que fez Alcibíades, uma tarde, no Pórtico, a um sofista, um desavergonhado dum sofista, que se gabava de não ter lido a Ilíada?
— Não.
— Ergueu a mão e atirou-lhe uma bofetada tremenda.
— Para lá, Alcibíades! Olha que eu li a Odisseia!