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A CIDADE E AS SERRAS

e todo fremente de asas — não saíam das nossas gostosas palestras, ou dos papéis em que Jacinto os debuxava, e que se amontoavam sobre a mesa, platónicos, imóveis, entre o tinteiro de latão e o vaso com flores.

Nem enxadada fendera terra, nem alavanca deslocara pedra, nem serra serrara madeira, para encetar estas maravilhas. Contra a resistência reboluda e escorregadia do Melchior, contra a respeitosa inércia do Silvério se quedavam, encalhados, os planos do meu Príncipe, como galeras vistosas em rochas ou em lodo.

Não convinha bulir em nada, (clamava o Silvério) antes das colheitas e da vindima! E depois, (acrescentava o Melchior com um sorriso de grande promessa) «para boas obras mês de Janeiro» porque lá ensina o ditado:


Em Janeiro — mete obreiro
Mês meante — que não ante

E, de resto, o gozo de conceber as suas obras e de indicar, estendendo a bengala por cima de vale e monte, os sítios privilegiados que elas aformoseariam, bastava por ora ao meu Príncipe, ainda mais imaginativo que operante. E, enquanto meditava estas transformações da terra, muito progressivamente e com um amável esforço, se ia familiarizando com os homens simples que a trabalhavam. Na sua chegada a Tormes, o meu Príncipe sofria duma estranha timidez diante dos caseiros, dos jornaleiros, e até de qualquer rapazinho que passasse tangendo uma vaca para o pasto. Nunca ele então se demoraria

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