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Página:A cidade e as serras (1912).djvu/241

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A CIDADE E AS SERRAS

voz dolente e arrastada mas sem queixume, que um vago, resignado sorriso acompanhava:

— Ora, coitada! como há-de ir? Malzinha... malzinha.

E dentro, num gemido que subia como do chão, de entre abafos, amodorrado e lento, a mãe repetiu a desconsolada queixa:

— Ai! para aqui estou, e malzinha, malzinha!...

O Silvério, sem passar da porta, com o guarda-chuva em riste, meio aberto, como um escudo contra a infecção, lançou uma consolação vaga:

— Não há-de ser nada, tia Maria!... Isso foi friagem! Não foi senão friagem!

E, sobre o ombro de Jacinto, encolhido:

— Já V. Ex.a vê... Muita miséria! Até lhe chove lá dentro.

E, no pedaço de chão que viam, chão de terra batida, uma mancha húmida reluzia, da chuva pingada de uma telha rota. A parede, coberta de fuligem, das longas fumaraças da lareira, era tão negra como o chão. E aquela penumbra suja parecia atulhada, numa desordem escura, de trapos, de cacos, de restos de coisas, onde só mostravam forma compreensível uma arca de pau negro, e por cima, pendurado dum prego, entre uma serra e uma candeia, um grosso saiote escarlate.

Então Jacinto, muito embaraçado, murmurou abstraìdamente:

— Está bem, está bem...

E largou pelo campo para o lado do alpendre como se fugisse, enquanto Silvério decerto revelava à rapariga, a presença augusta do «fidalgo»,

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