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A CIDADE E AS SERRAS

alma é pessoa... Na feira da Roqueirinha quem sabe com quantos reis antigos se topa, quando se anda aos encontrões entre os vaqueiros... Em ruim corpo se esconde bom senhor!

E como ele findara num murmúrio, eu, atirando um olhar a Jacinto, para gozarmos aqueles estranhos, pitorescos modos de vidente, insisti:

— Mas, ó tio João, você realmente, em sua consciência, pensa que El-rei D. Sebastião não morreu na batalha?

O velho ergueu para mim a face, que enrugara numa desconfiança:

— Essas coisas são muito antigas. E não calham bem aqui à porta do Torto. O vinho era bom, e V. S.a tem pressa, meu menino! A flor da Flor da Malva lá tem o paizinho doente... Mas o mal já vai pela serra abaixo com a inchação às costas. Dá gosto ver quem dá gosto aos tristes. Por cima de Tormes há uma estrela clara. E é trotar, trotar, que o dia está lindo!

Com a magra mão lançou um gesto para que seguíssemos. E já passávamos o cruzeiro, quando o seu brado ardente, de novo reboou, com solenidade cava:

— Bendito seja o Pai dos Pobres!

Direito, no meio da estrada, erguia o cajado como dirigindo as aclamações dum povo. E Jacinto pasmava de que ainda houvesse no reino um Sebastianista.

— Todos o somos ainda em Portugal, Jacinto! Na serra ou na cidade cada um espera o seu D. Sebastião. Até a lotaria da Misericórdia é

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