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A CIDADE E AS SERRAS

do Oriente, de tabaqueiras do século xviii. Sobre um cofre de madeira lisa pousava ainda, esquecido, um prato de damascos secos do Japão. Cedi à sedução das almofadas; trinquei um damasco, abri um volume; e senti estranhamente, ao lado, um zumbido, como de um insecto de asas harmoniosas. Sorri à ideia que fossem abelhas, compondo o seu mel naquele maciço de versos em flor. Depois percebi que o sussurro remoto e dormente vinha do cofre de mogno, de parecer tão discreto. Arredei uma Gazeta de França; e descortinei um cordão que emergia de um orifício, escavado no cofre, e rematava num funil de marfim. Com curiosidade, encostei o funil a esta minha confiada orelha, afeita à singeleza dos rumores da serra. E logo uma Voz, muito mansa, mas muito decidida, aproveitando a minha curiosidade para me invadir e se apoderar do meu entendimento, sussurrou capciosamente:

— ... «E assim, pela disposição dos cubos diabólicos, eu chego a verificar os espaços hipermágicos!...»

Pulei, com um berro.

— Oh Jacinto, aqui há um homem ! Está aqui um homem a falar dentro duma caixa!

O meu camarada, habituado aos prodígios, não se alvoroçou:

— É o Conferençofone... Exactamente como o Teatrofone; somente aplicado às escolas e às conferências. Muito cómodo!... Que diz o homem, Zé Fernandes?

Eu considerava o cofre, ainda esgazeado: —

Eu sei! Cubos diabólicos, espaços mágicos, toda a sorte de horrores...

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