no asfalto, num passo lento e felino, uma criatura seca, muito morena, quase tisnada, com dois fundos olhos taciturnos e tristes, e uma mata de cabelos amarelados, toda crespa e rebelde, sob o chapéu velho de plumas negras. Parei, como colhido por um repuxão nas entranhas. A criatura passou — no seu magro rondar de gata negra, sob um beiral de telhado, ao luar de Janeiro. Dois poços fundos não luzem mais negra e taciturnamente do que luziam os seus olhos taciturnos e negros. Não recordo (Deus louvado!) como rocei o seu vestido de seda, lustroso e ensebado nas pregas; nem como lhe rosnei uma súplica por entre os dentes que rangiam; nem como subimos ambos, morosamente e mais silenciosos que condenados, para um gabinete do Café Durand, safado e morno. Diante do espelho, a criatura, com a lentidão dum rito triste, tirou o chapéu e a romeira salpicada de vidrilhos. A seda puída do corpete esgarçava nos cotovelos agudos. E os seus cabelos eram imensos, duma dureza e espessura de juba brava, em dois tons amarelos, uns mais dourados, outros mais crestados, como a côdea de uma torta ao sair quente do forno.
Com um riso trémulo, agarrei os seus dedos compridos e frios:
— E o nomezinho, hem?
Ela séria, quase grave: — Madame Colombe, 16, rua do Hélder, quarto andar, porta à esquerda. E eu (miserável Zé Fernandes!) também me senti muito sério, trespassado por uma emoção grave, como se nos envolvesse, naquela alcova de Café, a majestade dum Sacramento. A porta,