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Página:A correspondencia de Fradique Mendes (1902).djvu/177

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anta fidelidade cumpro eu os meus juramentos (quando feitos sobre a Moral de Cícero, e para regalo de quem reina na minha Vontade) que, apenas o recordei, abri logo escancaradamente ambos os olhos para recolher «descrições, notas, reflexões e panoramas» desta terra que é minha e que está a la disposicion de usted... Chegáramos a uma estação que chamam de Sacavém—e tudo o que os meus olhos arregalados viram do meu pais, através dos vidros úmidos do vagão, foi uma densa treva, de onde mortiçamente surgiam aqui e além luzinhas remotas e vagas. Eram lanternas de faluas, dormindo no rio:—e simbolizavam, dum modo bem humilhante, essas escassas e desmaiadas parcelas de verdade positiva que ao homem é dado descobrir, no universal mistério do Ser. De sorte que tornei a cerrar resignadamente os olhos—até que, à portinhola, um homem de boné de galão, com o casaco encharcado de água, reclamou o meu bilhete, dizendo Vossa Excelência! Em Portugal, boa madrinha, todos somos nobres, todos fazemos parte do Estado, e todos nos tratamos por Excelência.

Era Lisboa e chovia. Vínhamos poucos no comboio, uns trinta talvez—gente simples, de maletas ligeiras e sacos de chita, que bem depressa atravessou a busca paternal e sonolenta da Alfândega, e logo se sumiu para a cidade sob a molhada noite de Março.

No casarão soturno, à espera das bagagens sérias,